Os meus melhores posts eu escrevo mentalmente, enquanto estou caminhando. Indo ou voltando de algum lugar neste país semi-estranho, debaixo deste tempo que a gente não se acostuma, com alguma trilha sonora no ouvido e rostos não muito amigos em volta. Queria um gravador mental. Aperta o rec e depois reproduz.
São poucas as vezes que volto do trabalho à noite e sozinha. Geralmente o David vai me encontrar e caminha comigo. Mas essas caminhadas sozinhas, debaixo da luz amarela de Reading, me fazem pensar em tanta coisa. Destino. Será que estava escrito em algum lugar que um dia eu caminharia debaixo da luz amarelada da cidade do interior da Inglaterra? Será que o meu futuro já desenhava patos e cisnes no cenário? Ou fui eu quem mudou tudo isso?
Eu acreditava mais em destino. Aliás, eu acreditava mais em tanta coisa. Até maçã pra duende eu colocava quando era criança. Hoje sou menos vulnerável, mais cautelosa com qualquer tipo de crença e sentimento. E eu sei muito bem quando tudo isso mudou, foi quando pedi com todas as lágrimas de um ser humano para Deus mudar o imutável. Para a certeza da vida virar milagre. Lembro-me muito bem daqueles dias, daquela dor, daquele frio na espinha quando tudo acabou, das promessas em vão e da vontade de fazer um homem de 89 anos continuar. Não continuou. E a fé esvaiu por um bom tempo entre os dedos, líquida.
Foi-se também um pouco da crença no destino. Mesmo porque o universo nunca conspirou muito a favor de eu estar deste lado de cá. Talvez eu tenha mudado. Talvez não. Uma cartomante disse pra minha mãe quando eu era criança que uma de suas filhas iria embora pra longe.
Até que ponto a gente interfere eu não sei. Acredito que talvez tenhamos alguns pontos-chave marcados na nossa vida, os acontecimentos mais importantes. Mas também acredito que temos o poder de mudar o percurso, aumentá-lo, diminuí-lo, desviar um pouco dele.
Eu não me arrependo de nada. Não me arrependo de ter feito, de ter tentado, de ter insistido. Um dia entenderei melhor se insistir é em vão ou não. Enquanto isso, continuo caminhando sob a luz amarelada de Reading.



