Sempre

Que venha sempre leve o toque da tua mão na minha
Emaranhando em silêncio teus dedos compridos entre os meus
Que venha sempre nítido o meu reflexo na tua íris
Pois quando borra, tenho medo de adeus

Que permaneça sempre doce essa tua voz no meu ouvido
Fundo, o buraco da tua cabeça no travesseiro
Que sejam sempre quentes
os beijos na coxa e no umbigo
E as noites geladas de Janeiro

Feliz novo

Todo ano novo é aquela velha história, vamos virar a página do livro e começar (ou continuar) o que deve ser começado (ou continuado).
Seria muito fácil comprimir sentimentos, dores, amores, risos, lágrimas, ganhos e perdas em um espaço tão pequeno de 365 dias, fechá-los numa caixinha e esquecê-los numa prateleira, à deus dará, criando pó. Como uma boa e velha agenda de adolescente, onde a fugacidade fica esquecida assim que a última página termina.
A verdade é que algumas memórias precisam de anos para serem guardadas nessa prateleira empoeirada. Existem risos que feriram tão forte, lágrimas que curaram tão mal que não há 31 de dezembro que amarele essas lembranças.
Mas o bom é que um dia tudo chega. O tempo, seja quão dolorido for, será sempre teu melhor amigo. E aquela foto sorrindo não doerá mais, quiçá exaltará qualquer tipo de sentimento nesse teu coração remendado. Aqueles olhos que te brilhavam o mundo não terão mais brilho algum aos seus. E assim, em qualquer ordinário dia dos 365, um dia essa leveza entra aí dentro de ti, com uma paz que chega a ser imensurável – ah, apenas os corações doídos conhecem o bem desta paz.
E o que ficou, vai, o que trouxe, leva, como um pequeno riacho de água doce, pequeno e constante, teu amor todo flui. Passou. Agora sim, cinco anos depois sente escorrer pelos nós na garganta. Leve, agora a dor é líquida. Leva.
O bom da vida é que sempre existe uma página nova a ser preenchida. Às vezes, o novo é um livro inteiro. E não existe nada melhor que fechar uma história, colocá-la naquela prateleira empoeirada e dizer, fique aí, já não me inspira mais. E com o coração sereno perceber que todas as histórias são bonitas, mas aquela que se vive hoje, esta que se escreve agora, é infinitamente melhor.

Olha pra trás e desprende-te das coisas bonitas e findas. A tua única constância é a página que está aberta.