A casa escondida dos meus avós

A casa dos meus avós paternos era um pequeno esconderijo. Eu adorava a ideia de subversividade em subir até o oitavo andar de elevador e pegar uma escadinha escondida, que dava para o único apartamento que ficava em cima do prédio. Era o esconderijo no topo do mundo. 

Vó esperava a gente na porta, abraçava forte e me chamava de “minha boneca”, depois contava os furinhos da minha mão. Ela fazia o melhor macarrão do mundo. Na cozinha do apartamento escondido havia sempre uma vela de sete dias acesa para o meu pai. E enquanto ela rezava e olhava para a vela, cozinhava o espaguete, acrescentava gemas de ovo, manteiga e queijo parmesão. Já disse que era o melhor macarrão do mundo? Mesmo tendo feito inúmeras vezes, nunca teve o mesmo sabor. Tinha sabor de casa de vó é isso nunca poderá ser reproduzido.

Vovó puxava as cadeiras da cozinha para a sala e as colocava na frente do sofá, para que servissem de mesinha  para mim e para a minha irmã. Ao lado da TV, havia uma toalhinha de crochê feita à mão por ela e dois porta-retratos: um do meu pai, outro do meu avô. Ambos em branco e preto, muito semelhantes. E essa foi a presença mais constante que tive do meu pai durante a minha infância – a vela de sete dias e a fotografia ao lado da TV. 

Na casa dos meus avós não se dormia em época de carnaval, a escola de samba ensaiava e o samba entrava até pelas narinas. Vovó cantava o boi da cara preta e me enchia de medo antes de dormir, mas  a maldade do boi se dissolvia em samba e eu adormecia no seu quarto branco de portas corridas.

Do meu avô Rinaldo, tenho poucas lembranças. Lembro de caminhar de mãos dadas com ele pelo antigo posto que ficava na esquina da Inácio com a Girassol para andarmos de Variant verde. Lembro de pequenos flashes de sua existência durante meus primeiros seis anos de vida. Mas lembro-me claramente do dia em que partiu e vovó entrou aos prantos pela porta da casa da tia Santa. Levaram-nos todos – as crianças – para a área de serviço para que não ouvíssemos os choros. E alguém, talvez minha mãe, não me lembro ao certo, teve que responder às perguntas incessantes dos cinco netos que não entendiam nada sobre a morte. “Estão vendo aquela estrelinha ali piscando? Vovô foi morar lá”. 

E por muitos anos da minha vida acreditei piamente que toda estrela que piscava no céu significava que alguém estaria de mudança pra lá. E tudo o que morria, iria morar em alguma estrelinha piscante.

Olhar para o céu à noite nunca mais teve outro significado, senão lembrar os que já me foram. 

Branco

Os dias passam e a gente vai vivendo. Fingindo. Não sendo.

A vida passa e a gente vai sorrindo. Partindo. Morrendo. 

E o que fica é a pele grossa da cicatriz provando que a gente é cada vez mais escudo por fora – e por dentro.

Amor no limbo

A verdade, no entanto, é que eu gosto muito de você. Mais do que deveria, mais do que poderia. Eu fantasio um pouco com a nossa história e é difícil. Difícil porque o nosso relacionamento existe num limbo entre os nossos paralelos e eu acabo me envolvendo e me perguntando até que ponto vale a pena ter você em mim por todos os minutos do dia, sem te ter de fato – e eu sei que valeria se toda essa importância fosse exatamente recíproca.

Amar no limbo é difícil. Porque não há o toque no rosto pra acalmar qualquer dúvida, não tem o abraço apertado pra sossegar o fim do dia, não traz o olhar que promete que a sua pele tem o gosto de mais ninguém. Amar no limbo não tem a fala leve na ponta do ombro depois do orgasmo, a risada boba que apaixona instantaneamente, não tem o prato preferido feito num domingo à tarde e nem o braço entrelaçado no sofá. Amar no limbo é triste porque você está sempre dividindo, se dividindo, tentando entender exatamente que lugar da prateleira teu amor ocupa. E se culpa. 

E a única certeza que tenho é que não há como assegurar o amor fora do limbo, mas pode-se contemplá-lo. Dá pra interpretá-lo no cheiro, no olhar, no som do riso. Fora do limbo, te prometo, é tudo diferente. 

Por enquanto, aqui dentro, a única coisa que tenho é o meu sentir. E te sinto por inteiro.