Bifurcação

Então faz duas semanas que cheguei ao Brasil. Minha vida na Inglaterra se resume a um depósito de 10m2. Todas as minhas coisas estão encaixotadas, como um rodapé de página esperando o próximo capítulo.
Absorvi essa vinda ao Brasil como um retiro espiritual e emocional (muito mais emocional), um tempo necessário para me colocar no lugar, uma etapa imprescindível para me chacoalhar e deixar o que é morto cair de vez. Preciso me renovar, preciso renascer como uma borboleta que rasga seu casulo, como uma fênix que ressurge das cinzas, e esse renascimento dói. Não, não pense que estou preparada para a dor, muito pelo contrário. Estou preparada para o que for melhor para mim e, se no meio da tempestade eu acabar me arranhando, prefiro acreditar que faz parte da jornada. Prefiro entender como cicatrizes de uma vida bem vivida, nunca fui de não dar a cara para bater. E quem dá a cara pra bater, tem que estar disposto a apanhar.
Em duas semanas de Brasil, muita coisa já aconteceu. Os sinais gritam e eu não quero ouvir, as ondas batem forte no meu rosto, eu sufoco, eu afogo, eu continuo nadando contra a maré.
E foi somente hoje que percebi que sempre precisei de circunstâncias e pessoas para me focar. Deus, como estou errada. O quanto cobrei uma atitude dos outros, para que eu pudesse me posicionar! E isso não é um jogo de baseball, eu não preciso saber onde os outros irão ficar para poder escolher a minha base!
Então hoje eu percebi. Preciso parar de querer fazer de mim e dos outros uma coisa só. Preciso deixar de esperar que as pessoas ajam do modo como eu gostaria e acredito que agiria no lugar delas. A vida não é didática. Tenho que riscar meus planos, afogar minhas expectativas.
Hoje eu aprendi que preciso de um pouco mais de egoísmo, um pouco menos de altruísmo. E essa é uma decisão nem um pouco prepotente. Descobri que se existe uma coisa em que preciso focar, essa coisa sou eu. Está na hora de escolher minha base antes dos outros e saber me posicionar sem referências. Tenho que novamente cuidar do jardim para que venham as borboletas.
E enquanto tudo isso acontece, deixo meu coração aberto para o que vier, sei que, de alguma forma, o que for melhor é o que virá. E quem se importa, fica. O que é essencial e verdadeiro, fica.

Está na hora de tirar meu coração do playground.

Estrada torta

Acordei com uma sensação de ser muito idiota, talvez aquela velha mania de olhar em volta quando as coisas estão mudando e tentar encontrar um motivo em si mesmo. Acho que sempre temos um porque que dependeu de atitudes nossas. Ou da falta delas.
Nem sempre a culpa do mundo é minha, eu sei, mas gosto de rever os cenários e procurar o que fiz para contribuir com tais situações. Pode parecer bobagem, mas eu sempre acho alguma coisa. As coisas andam em ciclos e os ciclos dependem de todos os pontos envolvidos.
Tenho uma sensação idiota de ter me perdido em uma estrada tortuosa, cheia de deslumbramento e distração. E sinto que foi tudo de propósito, que mais uma vez a vida se encarregou de colocar um violinista, uma banda de palhaços e alguns cachorros em cada curva, tudo muito bem enfeitado. Um teste de foco. E acabei me perdendo, ainda consigo ver o destino final, e sei que quero chegar nele, mas a estrada é tão interessante. Me perdi.
Preciso aprender a focar de novo, porque todo mundo neste circo está sendo pago, menos eu. Se eu me perder, não chego ao destino. Se não chegar ao destino, perco tudo o que tenho.
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Deixar de ser idiota é saber focar no que se quer lá dentro das entranhas. E você sabe muito bem o que é.

Embrulho

Amar alguém é um dos maiores gestos de humildade do ser humano.
É retirar de si o coração, a parte mais suscetível a dor, e entregar a uma pessoa esperando que ela não o machuque.
É retirar de si o pedaço mais frágil, sem saber como o outro vai cuidar e, ainda assim, esperar com toda a fé do mundo que seja colocado num pedestal e velado como a parte mais especial de sua vida.
É entregar o seu mundo inteiro em sangue e carne viva nas mãos de alguém e dizer toma, faça o que quiser com o que mais me dói.

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E as pessoas ainda não aprenderam o quanto isso é importante.