Que volte inteiro

Noite passada eu sonhei com você, me olhando de longe, daquele jeito que só eu sei quando você me olha, meio alheio a todo esse amor que existe entre a gente. E como se o sonho quisesse se tornar realidade você me segurava o rosto e dizia, entre beijos involuntários nos meus lábios, que não queria me perder. Que não iria me perder, não dessa vez. Não mais uma vez.
É que me lembro dos seus olhos assim, sabe, me olhando de perto, me pedindo pra ficar, pra não ir a lugar algum que você não possa vir junto. E de repente, quando eu acordo, tudo vira líquido nos meus dedos e você me escorre. Me escorre, porque quem virou aquela esquina foi você, porque quem desistiu do que crescia muito rápido foi você, porque você sabe que não tem outra saída e você, babe, é daquele tipo de pessoa que prefere matar um amor quando não se pode ter expectativa de viver um relacionamento. E a verdade é que relacionamentos não existem e o que existem são apenas histórias, e a nossa, ah, a nossa é quase o enredo de um filme cult, uma letra de tango argentino, desses que se ouve chorando e sorrindo de dor e alegria. Porque a nossa história é linda e dói. Mas dói só quando você não está comigo.
Então talvez um dia eu queira que você volte. E fique. E que nunca mais dobre aquela esquina outra vez, olhando para trás, e levando metade de mim contigo. Mas por enquanto tenho que cuidar de mim, abstrair suas metades, seus fiapos de amor e ilusão.
E quando voltar, que volte inteiro. Sem essa pose de defesa, sem essa armadura em forma de medo. E entenda a gente como uma possibilidade de uma história bonita. Uma história com h, feito essas que acontecem de verdade, ainda que somente dentro do coração.

Moving on

Chega de esperar que coisas aconteçam. Estou me despindo das amarras, dos grilhões, do passado. Estou seguindo em frente sem me importar em recolher meus pedaços pelo caminho.  Não quero mais olhar para trás, não quero mais esse meu cheiro de naftalina. Que se danem meus pedaços que caem; eles já não mais me pertencem.
Chega de depositar esperanças no que depende dos outros, chega de esperar que as coisas aconteçam seguindo esses scripts loucos que a sua cabeça inventa. Chega de ostentar essa capa de adolescência tardia, incrustada de pequenas poções de drama e ilusão.
Sente o corpo nu, menina, sem nada que te segure além desse sorriso no rosto. E ande. Ande pra frente. O que tem que ser, é.

Sobre presuntos

Marido fica me testando com as siglas de times de futebol do Reino Unido. Os times maiores eu conheço todos, mas quando chega um time que eu nunca vi na vida, eu ralo pra descobrir. Fica lá no placar: ARS x WBA. E ele me perguntando, e aí, e aí. West Bromwich Albion é a resposta certa. Só conheço como Westbrom, como é que eu vou saber que tem nome completo!
Daí esses dias ele veio com uma:
– Babe, vamos lá: WHU x HEA.
– Ok. WHU é Westham…. United.
– Boa. E o HEA?
– Hummm… Heaton? Heaston? Heatwich Albion?
– Não inventa. Hahaha.
– Ham of the East?
– HAHAHAHAHAHAHAHA.

Acabou a conversa, óbvio. Se Westham pode ser o presunto do oeste, HEA pode ser o presunto do leste, ora bolas. (Choquem-se, HEA é HEARTS. O meu é bem mais legal…)

Feliz 90 anos, Guaraná Antarctica

É muito claro o quanto a minha infância foi significante na minha vida, tanto quanto a importância dos meus avós pra mim. Desde que meu pai faleceu, minha mãe teve que trabalhar em dois empregos para poder tocar a nossa vida e muitos dos meus dias foram na casa dos meus avós.
Na frente da casa deles existiam três árvores, as três plantadas pelo meu avô e carinhosamente apelidadas de três marias. Atrás das árvores, onde hoje é o centro Britânico, ficava o depósito da Antarctica.
A minha infância inteirinha foi recheada por uma fantasia mágica em torno da minha bebida preferida, o guaraná. Nunca fui uma criança viciada em Coca-Cola, minha primeira opção sempre foi guaraná e, caso não tivesse, minha escolha ficaria entre Fanta, Crush, Gini ou Seven Up (as últimas três, para os mais velhos).
O depósito da Antarctica na frente da casa dos meus avós era como a fábrica de chocolates do Willy Wonka. Na verdade, acho que era só um estacionamento de caminhões, mas para mim, devia ser o lugar mais feliz do mundo. E como deveria ser bonito trabalhar todo dia num lugar cheio de guaraná. Todos os dias eu via os motoristas subindo e descendo daqueles caminhões cheios de refrigerante. E o mais mágico de tudo isso é que eu nunca pude entrar lá dentro, só conseguia espiar pelos portões um monte de caminhões e paredes cinzas, que meus olhos tratavam de transformar em um planeta mágico e colorido.
Ainda me lembro de me chocar quando descobri que o logo da Antarctica eram dois pinguins, e não a cabeça de um dinossauro vermelho parecido com o Horácio, da turma da Mônica. Sempre vi dois olhos nos pinguins (criança pancada vira publicitária, não tem jeito).
Também não vou discorrer aqui que, apesar da Antarctica ter feito parte de um universo mágico da minha infância, meu guaraná preferido era Brahma, de garrafinha marrom de vidro. E eu transferi toda essa magia da Antarctica para o dia em que meu tio foi trabalhar na Brahma de Fortaleza. Meu tio era o cara mais foda do mundo, porque – na minha concepção de criança – ele fazia o guaraná mais foda do mundo (claro que ele não fazia guaraná).
Na verdade, tudo isso foi pra mostrar pra vocês a coisa linda que a DM9DDB fez este mês: republicar o primeiro anúncio do guaraná Antarctica, que completa 90 anos. O depósito, ou estacionamento da Antarctica, não existe lá há muito tempo e, pra ser bem sincera com vocês, eu acho que eles só transportavam cerveja. Mas a minha infância foi marcada pelo mundo que eu criei em torno de uma marca e, por isso, eu queria homenagear a Antarctica de alguma forma, agradecendo-lhe por ter sido uma dessas purpurininhas da minha vida de menina. Um simples depósito na rua Tucambira fazia meu mundo de criança um lugar muito mais interessante.
Parabéns, Guaraná Antarctica. E obrigada pela companhia nos últimos 31 anos (mesmo aqui na Inglaterra).

Anúncio de 1921 da Antarctica, refeito pela DM9DDB. Fonte: Adnews.

Minha fuga

Às vezes a vida prega umas peças na gente. Talvez nem sejam problemas tão grandes quando se resolverem, mas o processo todo é desgastante. Como se algo estivesse te torcendo feito roupa lavada, até espremer as últimas gotas de fé e esperança. E daí dá muita vontade de desistir, largar tudo, dizer um foda-se bem alto e brincar na rua. Tomar um toddy gelado. Correr pro colo da sua mãe.
Nessas horas tenho saudade da casa dos meus avós. Se acontecia algum problema ali dentro, eu nunca vi. Ou abstraí, não era tarefa minha me preocupar com nada além de fazer montinhos de recheio de bolacha. A casa dos meus avós era sagrada e livre de problemas. Lá só se jogava bola, peteca, stop. Lá era onde eu guardava meus brinquedos, meus livros e minha bicicleta. O som era a risada do pica-pau, misturada com a do meu avô que o assistia comendo amendoins japoneses. O cheiro era de bolinho de chuva. A espera era a melhor do mundo: minha mãe voltar do trabalho e me levar pra casa.
Em dias tão atribulados assim, fecho os olhos e sinto o cheiro de lá. Chego a escutar minha avó me chamando da cozinha pra jantar. Chego até a escutar as gargalhadas do meu avô. Se eu fechar bem os olhos, posso até sentir a mão de cada um deles segurando as minhas. E então tudo se acalma.
A casa dos meus avós ainda mora dentro de mim.

Pensamentos chuvosos

~ O bom de deixar algumas coisas escaparem de uma mão é que você começa a prestar atenção no que a outra guarda.

~ Nada morre sem deixar brotar algo novo. Ainda que esse novo seja algo antigo.

~ E se não possuímos absolutamente nada nessa vida, não adianta dizer que o que é seu volta. O que é verdadeiro, isso sim, nunca se vai por completo.

 

 

 

Quem você ama?

Me diz por quais olhos seu coração acelera. Que som tem o riso que te vicia. Em quem você pensa quando a sua mente divaga, que rosto você vê quando olha para o teto do seu quarto. Me diz quem você deseja na sua cama todas as noites, que beijo ainda estala quente na sua boca e quantos sonhos você quis arrancar do travesseiro. Quem é que te estremece a perna e esfria o estômago, de quem é a voz que te perde os sentidos, que sorriso te amolece o corpo. Me diz qual é a sua primeira lembrança quando pensa em amor. Quem te tira o fôlego. Me conta quem mora nas suas músicas, os livros, os filmes, me diz com quem quer dividir o novo Scorsese e o emprego novo. Quem é que você teria ao seu lado esta noite se pudesse fugir de todos os contextos? Me diz que sorriso você vê quando fecha os olhos. Em quem você pensa quando acorda, quem é seu último pensamento antes de dormir. Quem você ama? Quem você ama?

Nietzche, amor, desejo e posse

Trecho tirado de “A Gaia Ciência”, de Nietzche, livro que estou lendo através desse lindo do Google Books. Link abaixo.

O nosso “amor pelo próximo” não será o desejo imperioso de uma nova propriedade? E não sucede o mesmo com o nosso amor pela ciência, pela verdade? E, mais geralmente, com todos os desejos de novidade? Cansamo-nos pouco a pouco do antigo, do que possuímos com certeza, temos ainda necessidade de estender as mãos; mesmo a mais bela paisagem, quando vivemos diante dela mais de três meses, deixa de nos poder agradar, qualquer margem distante nos atrai mais: geralmente uma posse reduz-se com o uso. O prazer que tiramos a nós próprios procura manter-se, transformando sempre qualquer nova coisa em nós próprios; é precisamente a isso que se chama possuir.

Cansar-se de uma posse é cansar-se de si próprio. (Pode-se também sofrer com o excesso; à necessidade de deitar fora, pode assim atribuir-se o nome lisonjeiro de “amor”). Quando vemos sofrer uma pessoa aproveitamos de bom grado essa ocasião que se oferece de nos apoderarmos dela; é o que faz o homem caridoso, o indivíduo complacente; chama também “amor” a este desejo de uma nova posse que despertou na sua alma e tem prazer nisso como diante do apelo de uma nova conquista. Mas é o amor de sexo para sexo que se revela mais nitidamente como um desejo de posse: aquele que ama quer ser possuidor exclusivo da pessoa que deseja, quer ter um poder absoluto tanto sobre a sua alma como sobre o seu corpo, quer ser amado unicamente, instalar-se e reinar na outra alma como o mais alto e o mais desejável.

(Friedrich Nietzsche, 1844-1900. In: A Gaia Ciência. Curitiba,PR: Hemus, 2002, p. 50. E-book aqui)