Larguei a vida inteira e coloquei o meu barco no mundo. Sem nada, além de uma promessa de amor. Trocar a vida todo por um relacionamento é como trocar tudo o que você tem no mundo pelas suas duas mãos fechadas em concha, apenas, segurando vento. Ah, relacionamentos são tão instáveis!
E entre chaminés compridas e estações do ano definidas eu descobri uma porção de coisa. Que todo esse tempo foi uma auto-celebração. Que toda essa vida é incrível. E que eu sou grata pelos meus momentos mais difíceis, pois sem eles eu seria apenas mais uma alienada morando na Europa.
Não tenho pretensão de parecer forte o tempo todo, e quase sempre não sou, e por isso que eu tenho um baita orgulho de mim mesma. Só eu sei o tamanho das pedras em que tropecei.
E crescer é isso. É pertencer à todos os lugares e à nenhum ao mesmo tempo e – ainda assim – se sentir em casa. É se adaptar à falta, ao vazio, mesmo quando tudo está completo. Eu descobri que, se antes eu me achava saudosista, hoje eu sei que o que eu tenho é saudade pura. Eu não superestimo o passado. Eu tenho uma lembrança quase melancólica e muito suave das pessoas, das situações distantes, coisa corriqueira de quem deixa suas raízes.
E enquanto a vida passa, eu tropeço nos obstáculos feito gente grande. De um lado, seguro a mão da menina que eu fui – ela não me deixa esquecer quem sou. Nas costas, carrego a saudade com todo o amor do mundo. E na minha frente tem uma estrada e eu já não mais me importo com o que tem no fim dela. Respiro fundo e espero o amor falar. E ele diz com aqueles olhos de bolinha de gude: come on, let´s get ready. É hora de seguir. Dane-se o que virá. O que importa é o que está aqui comigo, de mãos dadas, carregado nas costas e ao meu lado. É isso o que eu chamo de vida. Felicidade é paz de espírito.
“Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.”
(Alberto Caeiro, “Para além da curva da estrada)