Descobri que as pessoas são completamente incoerentes. De uma incoerência falsa, superficial. Nada tem a ver com uma pequena loucura, há sanidade em todos os poros. A incoerência é apenas falsidade.
Não aguento mais superficialidade, pessoas rasas com invejável marketing pessoal. Não tenho mais saco para gente que tenta fugir de estereótipos, criando outros ainda piores. Não suporto mais cascas interessantes que escondem personalidades podres, espíritos mesquinhos sem consideração alguma. Não respeito quem brinque com sentimentos, sejam eles quais forem. Não aguento mais me apaixonar por seres humanos decepcionantes. Onde foram parar os elos das amizades de adolescência? Como se fazia isso?
Não peço muito, peço gente como eu. Que aja de acordo com o que pensa e sente, que não tenha medo de ser julgado por ser quem é. Que preze e considere os outros com suas cargas emocionais, suas dores e seus corações. Que não pisem em corações. Peço gente que saiba entender o sensível, que consiga ler as entrelinhas de um olhar. Gente que se emocione mais com o ser humano do que com um jogo de futebol.
Peço o gesto, muito mais que as palavras. E das palavras, peço somente as honestas. Peço a sinceridade, comigo e consigo. Sejam sinceros com vocês mesmos, com o que sentem e pensam. Peço apenas o verdadeiro, a aceitação, o discernimento. Apenas diga ou faça algo para alguém, se o fizer com todo o seu coração.O que as pessoas não percebem é que quanto mais incoerentes são, mais fracas e mal resolvidas se mostram. A coerência nada mais é do que a lapidação da personalidade; é quando mente, alma e coração querem as mesmas coisas.
Lealdade e genuinidade têm sido nobrezas raras de se encontrar no ser humano.
Mês: maio 2012
Tragam-me os pertencentes ao mundo
Ando com preguiça de amizades reais e virtuais que não agregam nada. Ando com tolerância zero para pessoas superficiais, desinteressantes, sonsas, falsas e dissimuladas. Sentimentos que mudam do dia pra noite, corações que pulsam ontem e adormecem hoje.
Não quero mais perder meu tempo com pessoas que consomem minha energia, que seguram minha evolução. Só quero ao meu lado as pessoas que me amam de verdade e que estarão comigo para o que der e vier. Sem falsas expectativas, sem espíritos complicados. Só quero o que flui, gente líquida, do bem. Gente que sabe se pronunciar e não tem medo de dizer o que sente; odeio pessoas emperradas.
Quero os livres de pensamento – mas os livres mesmo, não os que estão presos na ideia de liberdade. Sem nós na garganta e no coração, sem problemas remoídos, sem cicatrizes abertas.
Tragam-me os pertencentes ao mundo, quero os amantes do planeta e dos bichos. Quero tudo o que não for estereótipo e vier sem rótulo. Quero gente livre, sem máscara e sem medo. E que, principalmente, tenha bom gosto musical.
Ana, o menino e o amor amargo
A porta era de madeira de demolição, robusta, enorme, como se lhe dissesse para não bater, não tentar, não entrar. Observou por alguns segundos a arquitetura do lugar onde ela habitava e chegou a ter ciúmes de paredes que pudessem lhe envolver, janelas cúmplices de uma vida que não conseguia mais escavar.
Bateu três vezes. Arrancou o coração da garganta e o guardou no bolso: era hora de não sentir nada. Aqueles medíocres segundos de tempo foram os mais longos do ano inteiro. Será que ela estava em casa? Será que abriria a porta para ele? Será que lhe trataria com frieza?
Ele veio de muito longe para tentar a última vez naquela porta trancada. Ela era uma espécie de fantasia louca, um amor impossível. Ela era tudo o que ele sempre quis com todas as doses de proibições e defeitos. E o mais importante daquele momento era que sabia que ela o amava; ou que o tinha amado. E muito.
A porta se abriu sem qualquer sussurro. Do outro lado, um homem feito. Barbas mais longas que as dele, jeito de quem está bem resolvido com a vida. Não era um menino como ele, era um homem. Perguntou o que queria, ele perguntou se a Ana estava. Ana desceu as escadas correndo, enrolada em um roupão branco, cabelos molhados.
Nenhuma palavra foi trocada em minutos, que pareceram horas para os três. Os olhos de Ana penetravam a alma do menino e era tão nítido perceber o quanto ela havia sofrido. Ela sofria com os olhos: um misto de medo, êxtase, dor e paixão. Metade de seu corpo se inclinava em sua direção, metade lhe continha os pés no chão. Não podia, não podia. Não era mais a hora. Sua chance havia morrido no dia em que ele resolveu ir embora.
Todas as palavras foram ditas pelo silêncio, e o silêncio gritou dentro daquela casa. Ele virou as costas e foi embora mais uma vez. Não sabia se o certo seria lutar pelo amor da sua vida ou deixá-la ser feliz com outra pessoa. Não sabia sequer se dariam certo juntos um dia, pois ao menos haviam tentado.
Ana escorreu uma lágrima do olho esquerdo. Sabia que seria a última vez. Sabia que não teria como explicar para aquele homem ao seu lado o que acontecera nesse breve espaço de tempo e, ainda que o fizesse, ele não entenderia a dimensão de uma vida inteira ali.
O menino olhou apenas uma vez para trás, talvez para se assegurar de que Ana não viria. O amor que existia ali não havia morrido e não morreria nunca. O amor ali amargaria. Era de sabor amargo, desses que se mastigam a vida inteira e não se engolem. Desses que não se esquecem. O que os dois jamais entenderiam é que a decisão de não amar é infinitamente mais forte que o amor em si. A renúncia é permanente. Não importa quantos corações ainda cruzem seus caminhos.
O menino pegou o coração de volta do bolso e jogou-o na terra quente. Ali, talvez, endurecesse para sempre.
Talvez os loucos sejam escritores que não sabem escrever
Todo escritor é um exímio leitor, mas o contrário nem sempre é verdade.
Uma vez, em entrevista, me perguntaram por que eu escrevo. Acho que foi a pergunta mais difícil de responder em toda a minha vida. Senti-me quase perdida dentro de um eu que não saberia definir nunca, seria como perguntar por que tenho meu nome, por que tenho meu tom de pele. Seria como perguntar a um monge por que ele reza. Escrever é pedaço, é bioquímica do escritor, é essência e personalidade.
Escrevo desde que me lembro ter aprendido a juntar as primeiras consoantes e vogais, desde que descobri as rimas e me apaixonei pelas palavras. Em épocas em que a internet não era nem ao menos imaginável, eu me perdia em incontáveis cadernos escondidos no meu quarto. Quantas folhas eu preenchi enquanto desenhava. Fui dessas crianças com grandes calos nos dedos.
Acredito que todo escritor nasce contador de histórias e estórias, é um observador nato do cotidiano, das pessoas, da vida. Todo escritor é artista e inventor de pequenas loucuras e devaneios. Acredito piamente que quem escreve encontra nas palavras a única saída para organizar sua própria personalidade. Os loucos – talvez os loucos sejam escritores que não sabem escrever e as palavras se perdem de modo ensurdecedor dentro deles. Palavras perdidas são tão perigosas.
“Aprendi que o artista não vê apenas. Ele tem visões. A visão vem acompanhada de loucuras, de coisinhas à toa, de fantasias, de peraltagens”. Manoel de Barros entendia tudo sobre o universo de um artista e – acredite – escritores são artistas completos. Não conheço um escritor que não seja incrível em outras artes.
Escrever não deve nunca ser forçado. Parafraseando Bukowski, se nunca sair de ti a gritar, faz outra coisa. Escrever não é sentar e esperar, não é olhar a página em branco e procurar ciência em palavras. Escrever é vomitar, é derramar, é deixar escorrer verbo como se escorre sangue em corte profundo. “A menos que saia da tua alma como um míssil, a menos que o estar parado
te leve à loucura ou ao suicídio ou homicídio, não o faças.”
Não existe tentativa em ser escritor. Não existe treino, tampouco curso. O escritor de verdade é líquido – nunca sólido, jorra enquanto digita, grita enquanto força a caneta no papel. O escritor entra em transe e se deixa possuir por ele mesmo, é loucura, é víscera derramando as quatro estações de Vivaldi. É drama, nascimento e assassinato.
Não entenda um escritor como lúcido; lúcidos não escrevem. Não acredite em escritor que não tenha nascido um, que escreva por dinheiro ou fama. O verdadeiro escritor nada é além de arte em seu estado mais bruto. Palavra é essência; é o que faz de todo escritor louco e o que o impede de enlouquecer completamente.
Em pé
Se um dia me achar endurecida e racional demais, pense na quantidade de porrada que posso ter levado da vida. Só eu sei o tamanho dos meus ombros e o quanto eles são capazes de suportar. Só eu sei quantas vezes perdi o rumo, deixei as pernas arquearem e não me senti grande o bastante para tanto peso. Mas perder o equilíbrio não implica em cair. E se cair, há de se levantar de novo e de novo e de novo. A posição é em pé, sempre.
Vez ou outra desejo ser menina novamente, mas isso seria fugir de um potencial incrível de me tornar alguém melhor.