Você era feliz comigo

Seus olhos sorriem enquanto passa o indicador pela boca do copo. Você me conta o que tem feito, o que aconteceu contigo nesse tempo todo. Tento perceber onde foram parar os sentimentos, onde está escondida a marca dos meus dentes no seu corpo? Você não me olha nos olhos, eu não falo muito. Guardo tudo o que carregamos juntos disfarçado em indiferença. Não sei se quero saber da sua vida, dessas outras pessoas, do quão fácil foi me esquecer.
A luz falha, seu sorriso já não é mais o mesmo. Não sei se ainda te reconheço dentro dessa pose de quem é feliz. Minhas dores não dóem mais. Eu apenas te analiso. O que fizeram contigo? Onde você foi parar? Você era feliz comigo.
Não leio mais seus pensamentos, porque não tenho vontade. Não faço mais questão da sua presença, pois me acostumei com teu silêncio. Não sinto mais dores, as feridas se transformaram em cicatrizes que me ensinam a nunca mais repetir os mesmos atos. Aprendi demais com você sobre o amor, a minha própria impotência e a superficialidade humana. Sobre a desistência. Sobre o quanto a paixão é ego. Aprendi que existem amores que não acontecem pois nem todo mundo é forte o bastante para carregá-lo. Descobri que existem pessoas que preferem o comodismo da cama quente aos domingos à uma grande história de amor. Nem todo mundo nasceu para lutar, o medo supera a dedicação.
Tento encontrar alguma coisa de nós nesse cenário, uma fração de segundos que me faça te amar de novo. Não sobrou absolutamente nada. Talvez meu coração acelere se você chegar um pouco mais perto e – honestamente – eu ficaria feliz se houvesse alguma reação química. Mas não acredito que ainda tenha deixado qualquer raíz viva de você em mim. Fiz exatamente o que tanto quis: matei nós dois com a faca de Oscar Wilde. Talvez tenha sobrado algum carinho, uma espécie de apego aos três anos que dividimos. Talvez tenha sobrado alguma coisa no meio dessa constante decepção que você foi para mim. De verdade, esperava atitudes infinitamente mais nobres suas, mas você sempre teve razão, meu maior erro foi sempre esperar algo de você. Você, que como tantas outras pessoas não têm muito o que oferecer, pois sequer conhecem seu próprio potencial.
Seus olhos covardemente não ousam encarar em mim toda a mediocridade do fim da nossa história. Eu tento desesperadamente encontrar resquícios da pessoa interessante e alegre que você costumava ser. Mas acho que não sobrou muito. Quem dera seu esforço tivesse sido para me convencer de que é a melhor pessoa do mundo. Quem dera seu esforço tivesse sido para que eu sempre me lembrasse de você com amor.

 

Devaneios aleatórios das 16:28h: a eterna busca incoerente do laço.

Sabe, algumas coisas eu tenho aprendido durante essa caminhada. Que não é possível se apegar a nada ou ninguém e ser feliz ao mesmo tempo. As pessoas vêm e vão com a efemeridade que deveriam ter, como se houvesse um contrato pré registrado do tempo em que são necessárias para qualquer transformação em você.
Se existe uma energia maior que rege tudo em harmonia, ela não apenas atrai, ela afasta. O tempo, ah, o tempo, esse sim talvez seja o maior adversário da vida e o maior aliado. À medida em que te apressa, te ensina – seja qual for o melhor caminho. E é ele quem decide o que fica, por quanto tempo e o que substitui. É ele quem tira e dá.
Tudo que morre aduba o novo que insiste em querer nascer. Tudo o que vai, leva consigo um espaço de tempo que não voltará nunca mais. Descobri que as pessoas se apegam muito mais ao tempo do que à qualquer outra coisa. Aquele minuto presente, aquela tarde no sofá, aquele vinho chileno. Me traga de volta o momento, a pessoa é apenas cenário. Quero aquilo que me fez sentir, e não o objeto deturpado.
As pessoas são ruins e boas e, ainda quando querem ser boas, são ruins. E só o são porque existe o apego ao momento e à história. Existe o apego àquele beijo na mão embaixo do edredom, às risadas trocadas na madrugada quente caminhando pela praia. Existe uma eterna busca de vínculo com a realidade e com a fantasia. Qual a linha entre a ilusão e a verdade? Qual o exato segundo de tempo em que decidimos precisar de alguém ou algo?
O ser humano vive uma constante busca por laços, por referências que lhe delimitem um período de espaço. Por gente que possa chamar de sua, por mãos com as quais possa contar quando mais precisa. O ser humano busca o apego, pois sem ele é quase impossível escrever uma história. E essa é a grande essência da vida. Ter linhas e páginas viradas, sem passado. Ter laços fortes, sem apego. Como é mágico o aprendizado.
O tempo me deu muitas rasteiras, e hoje  percebo que foram sempre ao me apegar à algo ou alguém. Eu caio, eu respiro, eu me levanto. Descobri que o desespero destrói o amor e o bom senso, então finalmente aprendi a não deixá-lo controlar.
A vida me chacoalha e questiona o comodismo mais uma vez. Como se eu fosse destinada a ser nômade e dinâmica, como se as emoções fossem imprescindíveis na vida de uma contadora de histórias. Não se apegue. Não se apegue à mão ao lado, nem ao chão que pisa. Não se apegue à este exato segundo do tempo, porque se existe uma verdade absoluta, ela é chamada de inconstância.
A mudança é a única certeza da vida. A natureza recicla e nunca se apega ao momento, pois um dia ele volta – em outras circunstâncias, é verdade.
Aprendi que o amor é o oposto perfeito da necessidade. E o tempo – este é apenas o grande maestro. É em função dele que a harmonia acontece. E basta observar uma árvore no jardim para entender que se sou feita dos mesmos átomos, minha vida deveria ser regida da mesma forma. As folhas crescem, morrem e adubam. As pessoas e as situações também. Para toda folha seca que cai, existe a esperança do novo que nasce. A primavera sempre volta – em mim e em você. 

A minha necessidade

A minha necessidade é de abraços apertados, de olhos fechados. De colo macio, braços enroscados, cafuné nos cabelos enquanto desisto do mundo. A minha necessidade é de beijo lento na boca, encriptando dentro de mim as melhores frases da humanidade. É de mãos entrelaçadas quando ninguém vê, é de pés que se encontram embaixo do edredom.
Quero aquele olho no olho que pára o tempo, quero meus sorrisos beijados. Quero enxergar meu reflexo na sua retina, na rotina dos longos e molhados dias ao lado esquerdo da sua cama. Beija meu corpo um milhão de vezes. Acaricia a minha barriga enquanto adormeço, esquece os lábios entre os meus joelhos. Aperta a minha mão e me faz cócegas quando entristeço. Segura meu rosto e diz que a vida é agora com dezessete beijos entre o queixo e as pálpebras. A minha necessidade é daquela paz que anula o mundo e faz tudo parecer infinitamente mais leve quando estou dentro do seu abraço.

Amor de bicho

É no fundo dos seus olhos que vejo o brilho mais intenso. O medo diluído na confiança construída diariamente. Seus olhos confiam em mim mais do que em qualquer outra coisa desse mundo. Minha voz te acalma, te ensina. Meus dedos afagam teu coraçãozinho quente.
Te observo dormindo dentro de um sonho qualquer, com o que será que você sonha? Chega bem pertinho de mim, chama a minha atenção do jeito que só você sabe fazer. Coloca sua cabeça embaixo da minha mão para que eu consiga afagar-te a alma, tão imensa.
Deita em cima de mim, quietinho, quietinha. Acalma a minha calma que te ama. Olha no fundo dos meus olhos e me permite ser esse brilho refletido na sua alegria, na sua saúde, em pequenos pulinhos de felidade pela sala, em rabos abanando sua paixão. Fecha esses olhinhos de bicho enquanto entrega-me teu pequeno mundo, confia em mim sua vida mais bonita enquanto encosta sua testa na minha.
Divide sua respiração comigo, esse amor puro e incondicional. O amor mais bonito de todos os tempos, o amor de bicho.

 

 

*Uma pequena homenagem à todos os bichos que já passaram pela minha vida, em especial ao meu cachorro e às minhas coelhas – que ainda dividem todo esse amor terreno. Se existe um céu de bichos, é para ele que quero ir.

 

 

 

Caleidoscópio azul

Teus olhos já não têm o mesmo brilho. É preciso que eu te invente de ponta-cabeça dentro de mim, para que algum resquício de você ainda escorra por dentro. Por favor, não se preocupe, meu amor, te remonto em um caleidoscópio azul. Alguma coisa em você mudou e é tão fácil reconhecer, você é outra pessoa.
Um pé na porta, outro fora do mundo, por onde vaga teu coração? Talvez eu devesse ter te dado um motivo pra ficar, qualquer pedaço de mim que guardasse o buraco da minha cabeça no lado direito do teu peito.. Qualquer pedaço meu que me fizesse um inteiro no meio do teu coração vazio.
Pedi tanto para ficar, quis tanto que não fosse embora. E hoje te monto em um quebra-cabeça do passado, com pequenos pedaços – ilusões, quem sabe – daquilo que você costumava ser. Me faz falta teu sorriso e o bom dia de pasta de dente. Me faz falta um você que não existe mais. Onde você foi parar? Me conta dos teus dias, das tuas dores e desamores. Me mostra onde foi que tudo mudou, em que parte da avenida tua ferida sangrou.
Caleidoscópio azul, de pedaços teus não sei te fazer inteiro nunca mais. Nunca tive sorte em jogos. Cansei de juntar teus cacos, não reconheço mais a tua voz, essas mãos geladas me cansam. Minhas últimas esperanças rasas se quebraram em pedaços doloridos de uma realidade inventada. Agora te guardo em uma gaveta escura, fria – como você, caleidoscópio azul. Não te quero desmontado, em pedaços, tranco com chave – cacos de caleidoscópio são afiados.
E te reinvento de novo em novos sabores. Sei que encontrarei as coisas que gostava em ti em outros sorrisos, cada uma delas milimetricamente distribuída em outras eletricidades. Pedaços dentro de inteiros sem medo. Que você fique bem, caleidoscópio azul, mas não quero mais tuas metades. Talvez você more nos sonhos de alguém, e eu – talvez eu seja a realidade de outrem.