Eu nunca falei aqui sobre o meu amor por palavras, especificamente por palavras da língua portuguesa. Não tenho nada a ver com letras, meu relacionamento com português nunca passou do colegial. Mas como uma boa observadora tenho que admitir que existem palavras no nosso vocabulário que são simplesmente orgásmicas. Palavras que, graças a qualquer força maior, ainda existem e não morreram.
E adoro assim, essas palavras cuspidas e escarradas que enchem a boca. Como um bom palavrão… “Crepúsculo”. Essa é uma das minhas palavras preferidas. Crepúsculo me faz sentir a boca cheia de pipocas… Adoro falar essa palavra, por mais velha que possa parecer. E parece que as palavras mais velhas são as mais gostosas… “obsoleto”. Já soa feminino, um tanto fina e elegante como uma Meryl Streep em “O diabo veste Prada”. Obsoleto… Tem um quê de sexy no jeito de dizer isso, como que querendo esconder o que se pensa.
Há ainda “cautela”, que me lembra cheiro de bolo de laranja. E não teria outra palavra para definir o “orgasmo”. Sozinha, ela se fecha e abre num “gas” que pode variar de mulher para mulher. Orgaaaaasmo. E “britadeira” é tão musicalmente sonora que passa longe do significado.
“Panturrilha”. Palavrinha que me lembra alguém muito chato, alto e de óculos declarando um poema. Dessas palavras sérias que descem suaves como framboesas. Se bem que ainda me orgulho de expressões antigas. Prefiro “batata da perna” e acho fantástico sermos os únicos humanos no mundo que têm batatas em suas pernas. Que língua incrível, quanta simbologia, sonoridade, quanto requebrado.
“Vai se foder” ou “Vai tomar no cu”, com o perdão da ofensa – e a liberdade exclusiva da Língua Portuguesa. Palavrões que enchem os pulmões e a boca, mais uma vez. Não é à toa que aquele videozinho do You Tube é um sucesso sem mais palavras. A não ser quando aparece o “bem no meio”, que se iguala à sensação de colocar a estrela no topo da árvore de Natal mais alta, depois de montá-la por horas. “Bem no meio do seu cu” vem com o gostinho de dever cumprido.
Palavrões saem escarrados de lá do fundo da alma, com um milhão de problemas e picuinhas… Ah… “picuinha”. Palavra ardida e picante. Como “Xurumela”, que nem sei se existe ao certo, mas começa chata como chuchu e termina feliz como goiabada. Felizes os que falam as línguas que emanam o som do “xu”, “xo”, “xa”.
Frangalhos, bugalhos, ladainha, primogênito, próstata, vesícula, pâncreas. Os livros de anatomia estão cheios de música! Fígado, cerebelo, neurônio, mitocôndria, tireóide, esôfago. Centríolos, leucócitos, plaquetas, tubas uterinas.
E já percebeu como é difícil para um estrangeiro falar “coração” com a magnitude de um brasileiro? E “saudade”, que nem tem tradução? O inglês, por exemplo, tem muitas palavras para denominar a mesma coisa. Escada, ladder, steps, stairs… Molho, sauce, gravy, topping… E não tem uma única palavra que defina o sentimento de “missing”…. “Saudade”… que soa como um pensamento no interior de Minas Gerais, viajando no vento.
São tantas as palavras nobres dessa Língua. Tanta música, tanto batuque e ginga… Tanta coisa que enche a boca e o orgulho por muita riqueza. Algo de muito bom que os portugueses deixaram, os índios esculpiram, os africanos balançaram, os italianos emolduraram … Palavras que têm um pouquinho de muitas pessoas, de tantas épocas e inúmeros países. Que passam por nós todos os dias, tão desmerecidamente ignoradas quanto uma nuvem branca sem sardas (genial)…
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