Quando eu te conheci

Eu conheço todos os teus olhares, mas ainda me perco nos teus incontáveis sorrisos. Do tímido, com os olhos esticados para os lados, ao sorriso aberto, cheio de braços, é da sua gargalhada dada que eu mais gosto. Das mãos gesticulando, do impulso que sobe do estômago e não se contém entre os dentes, da falta de cuidado com o que e quem está além da boca rasgada, do riso descoberto, do momento preso eternamente entre seus dedos, deus, como eu sinto falta das tuas gargalhadas. 
Eu sempre achei que te conhecesse da ponta do cabelo ao dedão do pé. Sempre pensei que entendesse todos os seus dramas, essa intensidade desmedida de sentimentos e o quanto você é, de verdade, a pessoa mais honesta consigo mesma que eu já conheci. 
Hoje, meses depois, te vejo colando pedaços das memórias de quem você foi em um tempo em que não existia nada além do que você sentia e queria, e você monta toda uma personagem como quem cria arte. E é tão bonito. É preciso buscar uma referência, eu sei, é preciso se recriar.  
O que eu queria te dizer é que eu me encanto com tudo o que sobrou de você a cada dia que passa. Eu me apaixono por essa sua alegria crua todas as manhãs, mesmo quando o dia não te promete nada de novo. Eu tenho o maior orgulho de como você me pega pela mão quando estamos tristes, coloca uma música que eu gosto e dança comigo de pijama na sala. Eu me orgulho de cada passo que você tem dado, até mesmo dos passos em falso, porque você não desiste de amar, ainda que seu coração tenha sido tão estraçalhado. Você é tão amor que o coração se regenera sozinho todos os dias e você não endurece. Nem mesmo quando a vida te prova o contrário. Isso é o que mais admiro em você. Essa sua vontade de continuar se jogando, de pular no escuro, de se deixar encantar, de entender todos os centímetros de quem passa por você, de absorver todas as trocas. Essa é a sua essência. 
Eu sei que você tem medo, e é natural. Mas olha só, se existe uma religião absoluta nesse mundo, essa religião é o tempo. Tudo vai acontecer de novo um dia, eu tenho certeza. Agora vem comigo, se arruma, vamos dar uma volta. E me deixa descobrir alguns outros sorrisos meus.

Não deixe acabar o café 

Suas pernas vão embaralhando meus caminhos e trombando pelos meus passos. Quantas vezes você já cruzou com alguém que um dia significaria alguma coisa? Contei três pessoas só ontem. Um ano inteiro esbarrando no mercado para um dia me apaixonar pela sua boca. Dois anos passando na sua frente para um dia acordar na minha cama. Meia hora para trombar na estação de trem, mas a gente se tromba semana que vem.
Acabou o café em casa, mas ainda tem o machiatto da boulangerie. Deixa eu adivinhar, um machiatto duplo e pain au chocolat? Hoje não, moça, não quero doçuras, doçuras me iludem.
A gente já nem pensa mais, porque pensar dói. Acorda, liga a cafeteira, tira o lixo e continua a rotina precisa e meticulosa como um gato preguiçoso. Não deixe acabar o café porque confunde.  
Pensar te joga lá no fundo do teu oceano e as águas ainda estão escuras, quem sabe uma batida de perna daquela que você aprendeu na aula de natação aos três anos de idade? Se salva, me salva. Procura em mim, procura em você e naquele outro também. Dá mais um gole no pinot grigio, outro beijo na boca, outra boca. Se arruma, mais um. 
Os cheiros se confundem, os gostos se misturam ao suor e ao vinho, às lágrimas vencidas. Qualquer coisa que não dure muito na sua cama, levanta, mais um café, mais uma torrada. Mais um amor descartável, uma página virada, um pedaço inteiro de uma vida adormecida porque pensar dói. E tá tudo bem assim. 
Um dia esse maremoto interno acalma, mas por enquanto é preciso trasbordar.

Para a minha mãe 

Eu descobri há muito tempo que você não é uma super heroína. Também descobri que não sou a pessoa mais forte, nem a mais legal do mundo. Mas o que eu sempre soube, mãe, é que é somente no seu colo que o tempo congela para que eu possa conseguir respirar um minuto. É no seu colo que o mundo não me engole e a vida não tem a menor necessidade de fazer sentido. É dentro do teu abraço que tudo que tá ruim fica bom, é no teu beijo que os machucados se curam e é no teu olhar, sempre tão doce, que eu sei que amanhã vai ficar tudo bem. 
Amanhã vai ficar tudo bem. 
Agora é hora de soltar a minha mão e eu sei que seu coração tá apertado e eu to com aquele frio no estômago de primeiro dia de aula. Com a diferença que esse primeiro dia de aula é um mundo inteiro à minha porta. 
Eu escolhi ficar e sei que por você eu nunca teria ido embora. Mas eu preciso aprender a ser sozinha, eu preciso seguir em frente e você sabe que eu nunca fui de me esconder dos meus medos – gosto de olhar meus monstros nos olhos. 
Sei que a vida não foi mansa comigo e sei que você preferia que eu me poupasse, que eu ficasse onde as pessoas me amam e os braços me alcançam. Por enquanto eu preciso me encontrar, me redescobrir, saber ouvir os ecos nas paredes novas e nos buracos dentro de mim – e ser feliz com eles. Tenho certeza que a vida vai ser leve, tenho certeza que os dias serão tranquilos, pois quem dá meus passos agora sou apenas eu. E eu sempre olhei demais para o chão. 
Vai ficar tudo bem, tá? E se não ficar, eu volto, você sabe.