Ela era assim, irresistível. Tinha tantos defeitos, que era completamente perfeita. Impulsiva, intensa, fazia o que tinha vontade. Vivia um dia de cada vez, era inconsequente e totalmente louca. Podia jurar que era louca. Mas dessas insanidades de gente feliz, sabe? que faz o que quer, que vive o quer, que se doa sem pensar no que vai ganhar em troca. Se você quisesse, ela te faria a pessoa mais feliz do dia. Se você deixasse, ela tornaria seus dias as suas melhores aventuras. Cada minuto ao lado dela era um minuto de memória eterna.
Escondia uma mulher incrível atrás dos grandes olhos azuis de menina e das sardas espalhadas no nariz. Era forte, de personalidade e músculo. Deixaria você sem palavras com as respostas mais astutas. Era incrivelmente inteligente e culta, seu maior charme. Quando ela sorria, ah – seu sorriso esticava inteiro pelo seu rosto, e seus olhos quase se fechavam como se fosse preciso sonhar a cada sorrir. Era o rasgo mais bonito que já tinha visto.
E quando ela caminhava pela rua, vestida de cores vivas, ela era vida. Ela é o inesperado, o sem rumo. Ela é a pessoa mais instigante que você já conheceu; ela é a risada mais convidativa, ela é arte em sua forma mais bruta.
Ela tem o maior coração do mundo e dentro dele caberia você. Se você deixasse.
Mês: julho 2012
Purple Haze
É que essa raiva que eu sinto do mundo bem que podia servir para alguma coisa que me fizesse te apagar para sempre. Mas não consigo te odiar. Ainda que tenha me rasgado em pedaços com seus traços de desamor, ainda que tenha usado o meu sentimento como um pequeno troféu de ego. Não consigo te odiar. Volta e meia me pego submerso em lembranças nossas – deus, faz tanto tempo. Teu cheiro, teu gosto, já mal lembro as curvas do teu corpo; mas teu sorriso, teu olhar, aquelas poucas horas de felicidade impossível. Alguns detalhes minuciosos de qualquer instante que dividimos. Você me olhando quando eu não percebia. O beijo roubado na esquina do teu ombro. O mundo parado no calor do teu rosto sobre o meu peito. Hendrix na televisão e você dizendo que sempre se lembraria de mim quando ouvisse Hendrix.
Hendrix continua tocando e talvez eu não exista mais em você.
E se a gente não soubesse fingir?
E ele continuou a carta, apertando o lápis no papel: você me dói, você me dói como uma facada crua raspando a carne, pingando o sangue até chegar no fundo, como uma ferida antiga que não cicatriza e pulsa, pulsa pelo simples prazer de dizer que está aí. Que está aqui. Dentro. Mas não, não vou me deixar ser triste, vou beber muita vodka e te sumir de mim, me sumir de você. Vou fumar charutos e usar chapéu, vou deixar o bigode crescer. Vou comprar camisas xadrez e Levi´s 501. Vou usar sapato de bico fino e corrente no pescoço. Qualquer coisa que me faça esquecer de mim, de você, qualquer coisa que me faça esquecer de mim sem você e que invente um novo eu, um novo que nunca te viu. E o que é eu sem você… Não sei, juro que ainda não sei. Você veio e levou tudo o que eu tinha de bom, trancou os meus sentidos fora de mim. Mas eu vou, olha, veja bem, eu vou superar. A vida está aí, o sol está aí, se a vodka é café, o café é a vodka, já não sei. Só sei que você me dói, cara, você me dói pra caralho. Apertou o lápis num rabiscado eu te amo, quebrou a ponta. Dobrou o papel, deu mais um gole na vodka, ou no café – não sei, e guardou a carta na gaveta do criado-mudo. Levantou e continuou: o sol lá fora, a escova de dentes, a chave do carro. Estava atrasado para o trabalho, tinha reunião logo cedo.
* Escrito em 5 Abril 2011
Não tenha medo
Não tenha medo de olhar dentro dos meus olhos enquanto acaricia minha mão com o seu polegar esquerdo. De me beijar de olhos abertos e ter certeza de que sou eu aqui, só eu e é agora. Não tenha medo de correr os dedos pelo meu corpo e provar que cada gosto é exatamente tudo aquilo que você sempre quis. Não tenha medo desse meu jeito impulsivo, dessa intensidade suada, do quanto mastigo em palavras tudo o que sinto por você. Não tenha medo de me dizer onde é que em você eu moro, antes de fazer de tudo isso uma história em vão. Não tenha medo da estrada, de uma história errada, não existe erro quando existe amor.
Mas acima de tudo, por favor, não tenha medo de sentir. Quem nega o que sente, nega a si mesmo, endurece a alma e sufoca o que resta da vida.
Olhos fechados
Sentei no jardim esperando uma resposta, qualquer tipo de sinal, nem ao menos sabia dizer o que tanto eu esperava. Olhei para mim, para o meu corpo, analisei os dedos do pé, cada unha, cada dobra, o osso do tornozelo, o calcanhar. Olhei minhas mãos, minhas pernas, cada pedaço de mim que pudesse contar alguma história.
O zumbido de uma abelha desviou minha atenção, ela mergulhava flor por flor no meu jardim. O rasante de uma andorinha bem na linha dos meus olhos, três caramujos peregrinando uma longa estrada de terra, dois tatus-bola, algumas aranhas entre as plantas, formigas enfileiradas. Patos voavam no horizonte em direção ao rio, as nuvens corriam de um vento sem fim, um vento com som. Dois pardais namoravam na cerca viva, as coelhas chutavam a cerca de madeira.Procurava demais pelo lugar errado. As respostas estão sempre presentes, mas é preciso ter os olhos bem abertos para o que não é humano.