1250 dias de Ivy

Mil duzentos e cinquenta dias. Eu poderia ter construído uma vida. Eu poderia ter construído uma terceira vida entre nós dois. Mas tudo o que cresceu em mim foi você.
Como hera em tijolo, você foi cravando as unhas em mim tão delicadamente que eu quase não percebi. E você era linda e cresceu de um jeito tão incontrolável, que tudo o que eu podia ver era essa sua imensidão, esse seu abismo por dentro; foi como me envolver com um buraco negro, Ivy.
Eu nunca imaginei que 1250 dias seriam uma parte tão grande de mim. Eu sempre te disse; foi no nosso oi que eu soube que tudo isso nunca daria certo. Mas eu não tive coragem de te podar, de arrancar teus pequenos caules que começavam a me enrolar pelas pernas, eu não tive coragem porque você me fazia um bem tão grande, Ivy.
Você cresceu em mim de um jeito inesperado, eu achei que se podasse apenas um pouco por vez talvez poderia te controlar, mas você perdeu o controle, Ivy, nós dois perdemos o controle e, quando me dei conta, você já havia dominado meu corpo e experimentado meus delírios, e já chegava ao meu pescoço, eu comecei a perder o ar, e você me olhava com o maior brilho que eu já tinha visto em uma hera e por alguns meses eu jurei que você era todo esse brilho, toda essa imensidão que já quase me sufocava, e me apertava em beijos que perturbam meus sonhos, Ivy, e segurava o meu rosto e me dizia meia dúzia de coisas dúbias, e eu já não conseguia enxergar um palmo à minha frente, porque a um palmo de mim era apenas você. Você e seu buraco negro de problemas emocionais, de desvios de personalidade, de manias e manias de encontrar todos os defeitos em mim porque eu nunca, eu nunca pude ser perfeito para você. Você procurava e rodeava meus defeitos mais insignificantes para se proteger de mim; ainda que fosse sua presa, eu era perigo constante para esse seu coração frágil. E você me disse que eu seria feliz com qualquer escolha que eu fizesse, ainda que eu não tivesse escolhas com todas as suas garras presas.
Me deixou ir, Ivy. Depois aos poucos foi apodrecendo caule por caule e eu ainda sinto a dor de cada pedaço arrancando carne viva em mim, porque você não faz ideia, mas dói pra caralho ter hera arrancada.
Quatrocentos e quarenta dias com pedaços de hera sendo constantemente arrancados de mim. Dia a dia. 440 dias e eu ainda sinto falta da escuridão do teu abismo, da falta de controle, da força de deixar crescer algo inexplicável que te consuma. Ivy. Eu arranco sozinho teus pequenos caules apodrecidos, você me mantém distante o suficiente para que eu duvide de todo o teu brilho. De toda a imensidão que um dia acreditei. Ivy, pra mim você não passa de erva daninha. Que causa dano em tudo o que toca. E eu só queria acreditar que não.
440 dias e você continua me rodeando os dedos do pé e eu não entendo. O que te mantém é inexplicável, e eu bem queria que fosse explicável em mim. Porque em mil duzentos e cinquenta dias, Ivy, não teve um único dia que eu não tenha pensado em você. E tem algo que ainda te prende, eu sinto, eu vejo nesses caules novos rodeando meus pés toda hora: ainda tem algo que você se nega. E quanto mais nega, Ivy, mais me mostra que, na verdade, fui eu quem mais cresceu em você.