Estrada torta

Acordei com uma sensação de ser muito idiota, talvez aquela velha mania de olhar em volta quando as coisas estão mudando e tentar encontrar um motivo em si mesmo. Acho que sempre temos um porque que dependeu de atitudes nossas. Ou da falta delas.
Nem sempre a culpa do mundo é minha, eu sei, mas gosto de rever os cenários e procurar o que fiz para contribuir com tais situações. Pode parecer bobagem, mas eu sempre acho alguma coisa. As coisas andam em ciclos e os ciclos dependem de todos os pontos envolvidos.
Tenho uma sensação idiota de ter me perdido em uma estrada tortuosa, cheia de deslumbramento e distração. E sinto que foi tudo de propósito, que mais uma vez a vida se encarregou de colocar um violinista, uma banda de palhaços e alguns cachorros em cada curva, tudo muito bem enfeitado. Um teste de foco. E acabei me perdendo, ainda consigo ver o destino final, e sei que quero chegar nele, mas a estrada é tão interessante. Me perdi.
Preciso aprender a focar de novo, porque todo mundo neste circo está sendo pago, menos eu. Se eu me perder, não chego ao destino. Se não chegar ao destino, perco tudo o que tenho.
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Deixar de ser idiota é saber focar no que se quer lá dentro das entranhas. E você sabe muito bem o que é.

Cinco de Janeiro

Cinco de Janeiro sempre foi uma data especial pra mim. Por tantos anos estive na praia nessa época, por tantos anos o Reveillon foi quase que extendido até o quinto dia do ano. Era festa. Era dia de sair, onde quer que estivessemos, para comprar bolo e velas. Era seu aniversário, vô.
E até hoje você continua sendo para mim a pessoa que mais celebrou tudo. O dia simples, a mediocridade, as datas especiais, o nascer do sol, o canto do sabiá, a vida. Você sempre foi meu maior exemplo de carpe diem.
Oito anos se passaram muito rápido, vô. E posso jurar que senti sua falta em cada dia deles. Quantas vezes quis pegar o telefone e ligar pro número que ainda sei de cor, só para te contar como estou, o que tenho feito, só pra dizer, vô, olha, eu tô com 30 anos, é a vecchiaia! E você sabe que fiz isso uma vez. E me disseram que o número não existia e eu chorei, meu Deus, como eu chorei. Foi como se tentassem apagar um pedaço de mim.
Tanta falta cabe ainda dentro de mim, e ainda espero o tal do tempo que dizem curar tudo. Porque não cura. Não cura o meu egoísmo humano de ter desejado que você fosse imortal, que vivesse para sempre. Não cura essas lágrimas que escorrem dos meus olhos sempre que penso em você com um pouco mais de profundidade. Perder dois pais foi difícil demais pra mim, vô.
Às vezes me lembro de coisas tolas, da gente junto. Me lembro de você, quase sem enxergar, indo ao meu trabalho me visitar no meio da tarde. Você me deixava com o coração na mão e eu tinha que te observar da porta da rua até que virasse a esquina, rezando para que nenhum carro te machucasse no caminho. E quando eu me oferecia pra caminhar com você de volta, você ficava bravo, ninguém era capaz de ousar sua liberdade.
E então comecei a usar meu horário de almoço para ir à feira com você, te ajudar a escolher as frutas e as notas de dinheiro certas, sem que ninguém abusasse da sua condição. Te levava para casa e almoçava com você e a vovó, meu Deus, como tenho saudades disso.
Nunca vou me esquecer de um dia em que caminhava de volta da feira com você, e meus olhos escorriam. Você não percebeu, pois mal conseguia enxergar, mas, naquele instante, eu pensava no quanto sentiria falta de momentos como aquele. E me lembro de pensar que um dia voltaria mentalmente àquele momento tão mágico, e quis eternizá-lo em mim, e consegui, vô.
Cada pedaço da minha vida dividida com você foi um pouco de magia. Das tardes deitada no seu colo, escutando as histórias da sua infância. Das noites em que dividíamos o quarto do tio Zé, você na cama perto da janela, pra me proteger dos monstros voadores. Dos filmes de bang-bang na tv, que eu mal entendia, mas adorava assistir em preto e branco. Do jeito que pensava em mim sempre que comprava ou ganhava qualquer coisa. Da simplicidade de momentos divididos pescando ou debaixo de pés de pitanga e abacateiros.
Queria por mais uma vez sentir seus dedos calejados entrelaçado aos meus, do jeito que me dava a mão e não dizíamos nada. Queria por mais uma vez ver seu sorriso, sentir essa alegria mais pura que já conheci na minha vida. Ainda te vejo em mim e te verei eternamente e, quem sabe um dia, ainda nos encontraremos de novo e você me contará mais algumas histórias sobre a fazenda de café onde viveu. Quem sabe um dia conseguirei ouvir dentro de mim a sua voz de novo. Esquecer lentamente a sua voz, isso é o que mais me dói.
Feliz aniversário, vô.

Fé, crenças e afins

Li esses dias que o mundo está todo errado, as pessoas ficam tristes no Natal e felizes na Páscoa, o que vai totalmente contra o significado dos dois feriados. Não sei você, mas eu não sei se tenho religião alguma ainda. Acredito em algumas coisas, sim, nas minhas coisas. Nas minhas crenças, no que é Deus pra mim, no que rege esse universo inteiro. E hoje em dia isso é tão diferente da minha educação católica ortodoxa romana, das minhas aulas de catecismo, da primeira comunhão, das missas de domingo. Sei lá, acho que esse tipo de crença muda conforme evoluimos.
Ainda tenho fé sim, mas não sei muito bem mais em que. Desde que vim morar nesse canto do mundo, fui sentindo apagar umas coisas dentro de mim. Como se para enfrentar o mundo fosse preciso ser forte, e para ser forte fosse preciso se livrar do que pesa demais.
Dia desses minha prima me ligou e me confessou que me achou extremamente diferente quando nos encontramos na Suiça. “Fria, seca, racional… você nunca foi a racional, você sempre foi a coração”. Pois é. Minha irmã também diz que eu aprendi a sofrer sozinha, quieta, esconder minhas dores e não dividir com ninguém.
Passei a compreender que tudo isso se deve a este país. Vou te contar uma coisa, a Inglaterra te seca por dentro. E se não secou ainda, levante as mãos para o céu, talvez você conheça um segredo que eu não conheço.
Quando chego ao Brasil percebo o quanto minha energia é baixa aqui. E, de repente, com um pouco de brasilidade, minha alma volta a brilhar de novo. Brinco dizendo que quando vou ao Brasil, vou pra resgatar minha essência. E não há verdade mais absoluta do que essa.
Este país é uma país jogado ao mundo. Não há religião, não existem crenças. As igrejas parecem cultos sem sentido (as por onde passo estão sempre fechadas). Fiquei me lembrando da senhorinha que ficava na esquina da Avenida Brasil gritando “vá com Deus” pra cada carro que passasse. Nunca vi alguém mencionar Deus aqui. Religião? “Cristã”. Mas não sabem nada sobre Jesus.
A terra, tão fértil geograficamente, tão pobre e seca espiritualmente. Como uma grande ilha de zumbis.
Sinto falta da riqueza espiritual do nosso país, da diversidade de crenças, da fé. E entenda que para ter fé não é preciso ter religião.
Nesse momento coloco um samba no dvd. Faço isso toda vez que preciso de um pouco dessa minha essência perdida. Jorge Aragão canta “Deus manda, Deus manda, na hora em que mais se precisa”. Sim, Deus manda uma “Ave Maria” no cavaquinho que me enche os olhos de lágrima e me faz o coração entender que se existe um país que tem alma, esse país é o Brasil.
Chega logo. Chega logo.

Falta

Quando criança, eu tinha uma sensação reconfortante de que tudo se resolveria quando eu crescesse. Os problemas seriam facilmente solucionados, eu entenderia absurdamente de todas as coisas do mundo e, mais que isso, nada me faria falta. Quando eu crescesse, eu teria tudo o que me faria falta.
Talvez isso tenha sido um reflexo da minha infância dolorida com a morte precoce do meu pai, aquela sensação de falta gravada a ferro e fogo no meu subconsciente, ou talvez tenha sido apenas uma expectativa ingênua da adultice. Que nada me falte, que nada me falte. E lia no parachoque do caminhão da frente: “O Senhor é meu pastor e nada me faltará”. Pronto, tudo resolvido. Adulto não sente falta de nada.
Um dia eu entrei para o time e pude perceber que é na vida adulta onde tudo faz falta. O passado, o presente, a incerteza de um futuro do qual NÓS temos que cuidar, e ninguém pode cuidar dele no nosso lugar.
E então quando é que as coisas param de fazer falta? Quando é que o que faz falta não dói? Acho que o segredo é aprender aquela frase de auto-ajuda, life goes on. Mas veja bem, o segredo é aprender. E eu não sei o segredo.
Só sei que tenho um monte de coisas e me faltam outras tantas. E sinto que sempre irão me faltar e causar um bocado de dor. As coisas mudam, as pessoas mudam, os ciclos se renovam, as coisas e as emoções morrem. E nascem de novo. Mas o que morre fica pra trás e faz falta.
Alguma coisa sempre vai faltar. Alguma coisa, lá dentro, sempre vai doer. E acho que a causa de tudo isso, dessa insana falta de tudo na vida adulta, é meramente falta de tempo para dedicar a alguma coisa que realmente importe.

Crisântemo

Se tem uma coisa que me tira do sério é alguém me fazer uma pergunta, eu responder e a pessoa retrucar com um “mas você tem certeza de que sabe do que eu tô falando?”. Não, meu querido, eu só quis dar uma de espertinha mesmo.
Na loja, eu estava atendendo um casal de senhorzinhos muito dos grossos, até que o homem me perguntou:
– Vocês tem chá de crisântemo?
– Não, desculpa, a gente não faz.
Meia hora com a sobrancelha levantada, me olhando de cima e lá veio:
– Mas você tem certeza de que sabe do que eu tô falando?
Minha vontade foi de responder, claro, meu senhor, crisântemo é aquele pássaro, e a gente não faz chá de pássaro, desculpa. Mas daí tirei a Milena mais educada (cof-cof) de dentro de mim e respondi:
– Sei sim, claro, crisântemo é aquela flor de cemitério, existe chá dela? Não sabia.

O homem me olhou torto, mas eu sorri bem bonitinho.

Real

A única vez em que você me disse que não merece meu amor, ainda martela no meu ouvido. Acho que nunca tive tanta raiva de uma frase solta, dita sem pensar no meio de uma tempestade.
Porque foi por esse amor que viramos o mundo do avesso, foi nesse amor que investi a minha vida. E se me diz que sou forte, te digo ainda mais: que é mais forte do que imagina. Que somos fortes juntos. E tudo o que tem feito eu tenho visto de rabo de olho e só me faz crescer por dentro.
Que você é a coisa mais linda que já me aconteceu e a nossa história ainda inspira um mundo inteiro. Que hoje eu não acredito mais em parasempres, mas ainda acredito no amor. Ainda acredito em nós. E tenho acreditado através de você.
Ainda não sei exatamente que rumo tudo isso vai levar. Mas se antes eu era forte sozinha e tinha que suportar a Europa nos meus ombros, hoje divido a força contigo. E é tão mais fácil.
Que ainda somos a história mais bonita e você… você é a minha realidade nua e crua, sem lapidações de ilusão. Real.

Quando a gente se dá conta

Sabe, eu fiz faculdade em São Paulo. Me formei Publicitária, trabalho desde os 18 anos. Nessa longa caminhada chamada “carreira”, eu fiz estágio não -remunerado em uma grande agência, onde me fizeram de gato e sapato, onde chupinhavam minhas idéias, me colocavam pra servir cafézinho e passar rodo quando chovia demais. Nunca reclamei de nada, a não ser do dia em que me mandaram embora para dar espaço para o sobrinho da minha nova chefe, formado em ciências da computação.
Depois disso, passei meses procurando outra coisa e encontrei muito mais perto do que imaginava. Acabei trabalhando com moda, comecei de baixo, estágio em Assessoria de Imprensa, ganhando 500 reais por mês. Fui cavando meu espaço sem paternalismo nenhum, e qualquer um que trabalhou comigo sabe disso. Fui relocada pra marketing, fui crescendo, sabe.
Acabei não fazendo pós nenhuma, por causa de uma pedra no caminho chamada Amor. Não que me arrependa, mas amor e carreira não combinam, principalmente quando o amor está do outro lado do mundo e, consequentemente, sua nova vida.
Ainda assim fiz inúmeros projetos de marketing, roteiros, palestras, traduções, cursos, cursos, cursos. Fui chamada pra trabalhar em Paris durante a semana de moda e esse é o ápice do meu currículo, um currículo que me levou a entrevistas no marketing da Harrod´s e do London Fashion Week.
Quando vim para a Inglaterra, na primeira vez em que passei 1 ano aqui, em 2005, a situação era diferente. Tinha visto de estudante, não podia trabalhar, mas o mundo me prometia uma carreira espetacular quando as condições fossem propícias.
Finalmente cheguei no começo de 2008. E comigo veio a grande recessão da Europa. Cheguei aqui no pior momento que podia. Passei meses procurando emprego em marketing, como disse, fui em entrevistas na Harrod´s e na London Fashion Week, mas tive que ouvir que “por lei”, eles deveriam contratar o Inglês desempregado que concorria comigo.
Nunca tive medo de trabalhar e não sei ficar em casa assando bolo numa terça-feira à tarde, como um dia achei que soubesse. Fiz trials como garçonete, fui babysitter e acabei aceitando meu primeiro emprego aqui, na recepção de um hotel quatro estrelas. Trabalhei como um  camelo, em turnos que variavam das 6:30h às 23:30h, muitas vezes chegando em casa depois da meia noite e tendo que acordar no dia seguinte às 5:30h. Tudo isso por salário mínimo.
Quando não aguentei mais o hotel, procurei marketing de novo, no auge da recessão. Tive reuniões em Londres com marcas grandes, sempre a mesma desculpa. Como tenho contas pra pagar no fim do mês, acabei aceitando um emprego num quiosque de loja. Subi, fui promovida a subgerente e fiquei lá quase um ano. Recebi uma oferta numa grande joalheria onde o que eu menos fazia era vender, passava o dia limpando.
De lá pra cá passei pela loja que mais gostei de trabalhar e que, mais uma vez vítima da recessão, acabou fechando. De novo o desespero me fez apelar para um temporário de Natal, numa loja super conhecida daqui que vende chás, cafés e cerâmica.
Quem me vê pensa que não tenho muita paciência, que não existe o emprego ideal. Mas faça tudo o que fiz na vida e termine numa loja no outro lado do mundo passando o dia inteiro etiquetando preços, abrindo caixas de delivery e colocando em prateleiras. O dia inteiro.
Não tenho nada contra quem gosta desse tipo de emprego, muito pelo contrário. Estou lá exatamente porque não sei ficar sem trabalhar e não tenho medo de trabalho. Só que pra tudo existe um limite. Existe uma quantidade de passos que a gente dá para trás sem se dar conta. E um dia a gente se dá conta.
Por isso tenho pensado em muitas coisas. Inclusive em ir pro Brasil no verão por uns três meses. Preciso de um tempo para reanalisar a minha vida, sair da minha bolinha e olhar de cima. Nada major. Coisas que acontecem com todo mundo: tempo pra absorver.
Sexta feira volto ao quiosque de jóia pra ver se consigo um temporário que me paguem o que me pagavam.
E enquanto isso a neve vai caindo, as coisas vão mudando, as pessoas vão mudando. E não existe mais tanta coisa que existiu antes…. apenas essa fé quase autista na vida e no amor, apenas essa esperança vaga de que isso tudo é uma experiência corporal e emocional, e não existe nada além do objetivo de ser feliz. A tal da Pollyana que mora em mim.
E como diz Machado, “se eu não era feliz, vivia alegre”. Sempre assim. 🙂

Vamo-que-vamo!

Pra bom entendedor

Ontem, depois de uns VINTE minutos:

– Put more pressure, babe…
– You´re having a fucking laugh!?? Do you think my tongue does weight lifting?

HAHAHA, ainda dou risada sozinha disso. #cheeky