Se olhar para baixo, cai.
Existe um lugar ainda mais sombrio do que esta ponte artesanal de madeira sobre o precipício que você tem atravessado. De um lado, fogo; do outro, gelo. No meio, ah, no meio há um vazio imenso e é tão difícil descrever o vazio. Como um buraco negro onde todas as emoções são anestesiadas, uma por uma, como se tudo o que se sente não fizesse mais o menor sentido ou não tivesse importância.
O vazio é o mergulho silencioso em água parada. É o corpo leve flutuando no vácuo, a cabeça pesada, o barulho estarrecedor de dentro. E cada vez que olha para baixo, sente o vazio mais perto.
Então teus olhos fitam o nada que, de alguma forma, se assemelha ao que você sente hoje. Um transbordamento de nada. E por se sentir tão familiar, fita o vazio como se o pertencesse, como se quisesse derreter-se em seu estado líquido e fundir com ele.
Mas antes que decida qualquer coisa, me deixa te contar que eu vim aqui só para te ver. Ainda que todo mundo tenha se afastado, eu estou aqui, do outro lado da ponte, quando passar pelo fogo ou pelo gelo. Me leve ao teu lugar favorito quando fechar os olhos. Quando você mergulha, eu estou no vazio contigo.
Nunca se esqueça, você existe no teu passado. Você existe em mim, olha bem nos meus olhos. Sente esse fiapo de sorriso aqui fora? Era teu. O presente é apenas cegueira momentânea.
Nunca se esqueça de que você existe nas horas de quem te ama, nos sonhos daquele amor antigo, nunca se esqueça de que mesmo quando é nada, é tudo, ainda que para alguém.
Então respira fundo, não pula. Não se anule, ainda não. Segura a minha mão, esfrega os olhos, veja quantas mãos te carregam enquanto não sente teu peso. Veja quantos sorrisos enxugam tuas lágrimas.
Volta em mim.
Há sempre o depois, depois do agora.
* escrito em Maio de 2014