Amor de fibra ótica

E eu te conheci online, nessas tramas de fibra ótica da vida. E eu te reproduzi centenas de vezes em mim e me reproduzi centenas de vezes em você. E eu te imaginava, te desenhava, te superidealizava, porque nesse mundo a gente cria o que quiser, sabe. Nesse mundo de dentro da fibra ótica o perigoso não é o que criam e mentem pra gente, mas sim o que a gente cria e mente pra si mesmo. E a gente se ilude.
E eu espero você me chamar no skype, mas por via das dúvidas eu deixo o msn, o gtalk e o yahoo messenger ligados, caso você queira falar comigo. Mas também tem meus emails ó, burra@gmail.com, burra@yahoo.com.br, burra arroba um milhão de coisas. E aí eu coloco fotos bonitas no orkut, no facebook, no twitpic, e tuito mensagens subliminares pra você me entender. Faz um tempão que você não me manda um sms, uma DM. E eu sinto falta, sabe. Por isso leio aquele teu depoimento no orkut um zilhão de vezes no dia. E sei que você tá bem, trabalhando muito, sei que foi pra praia no fim de semana, eu te conheço tanto, em cada tuite teu. Deixou o cabelo crescer, começou a gostar de Nina Becker e tá lendo muito Kafka. É, eu leio teu blog, teu Tumblr, todo dia. Eu te sigo em cada pedaço encriptado seu.
E o que ficou de você foi seu avatar, que você mantém estratégicamente com a mesma foto em todas essas mídias antissociais. Como frames eternos na minha mente pra me  lembrar de que a nossa história foi linda e nunca existiu.

PS: Isso é só uma crônica, afinal de contas, eu e meu marido somos uma história linda que nasceu online e cresce offline! 😉

Corda

E você vem e você grita vai. E eu tô quase indo e você me puxa de volta com essas coisas que só você sabe dizer e fazer pra me puxar de volta. E quando eu volto você grita vai e me deixa ir até o ponto onde ainda consegue me ver e me enlaçar e me prender e me puxar de volta pra esse buraco negro que você é, esse poço sem fim que eu caio e caio e caio nessa imensidão azul de dentro de você. E o foda é que quando você grita vai eu vou, mas eu vou esperando você gritar vem e se você não me puxa eu me perco nesse buraco, esse labirinto que eu não conheço, porque eu sou burra demais, porque eu me acostumei a ter você me puxando e daí você não puxa. E eu nado e nado e nado nesse mar que eu não vejo fim e me afogo nesse labirinto, é como não ver praia, sabe, é como não ver ilha, é só mar e eu não sei pra que lado nadar porque tô esperando você me puxar, me jogar uma bóia antes que eu afunde nesse azul de dentro de você.
E eu já descobri que não tenho mais saída. Se eu for eu me perco, se eu voltar eu continuo perdida.

Vício

Ela não sabia o que via nele, e pensou isso quatro vezes enquanto rodava o indicador na beira da taça de vinho, enquanto ele falava qualquer coisa sobre algum diretor de cinema russo de quem ela nunca ouviu falar.
Não sabia mais contar quantos desses jantares já tinham passado, entre os beijos e os orgasmos, e ainda não entendia o porque ele era tão viciante. É um vício, pensou, e eu sou tão fraca pra vícios.
Nem era tão bonito, até tinha um certo charme, mas não fazia seu tipo, nunca fez nenhum dos seus tipos. Usava umas roupas esquisitas, andava de moto, morava num apê alugado em Osasco, mal tinha grana pra pagar o cinema. E ela ouvia sobre Che Guevara e, caramba, é como um desses meninos que cruzam a nossa vida no colegial, cheios de ideais, filiados à UNE, querendo salvar o mundo de bicicleta, sabe? A diferença é que aos dezesseis anos estava rodeada de revolucionariozinhos cultos e interessantes, e nunca teve nada com eles. Mas porra, agora com trinta, Natália!
O que será que acontece aos trinta que dá vontade de realizar todos aqueles desejos presos de adolescente?, pensou.
Ele falava com propriedade, ela se encantava com cada palavra que ia de Oscar Wilde à Max Weber, de música underground, de rock independente. Assistiam à um monte de filmes cabeça, frequentavam a Sala Unibanco. Ele lia Nietzche pra ela e analisava a evolução de baroque pop, de Fiona Apple à Beatles, enquanto fumavam um béque.
E ah, ele era muito bom de cama, e isso soava como uma desculpa no fundo do cérebro dela pra que insistisse em toda essa aventura. Socialista? Queria um pedaço dele pra ela. Um pedaço desses improdutivos, ou produtivos mesmo, ninguém precisava saber. Ele lhe dava vontade de colocar um vestido comprido, uma faixa na cabeça e cruzar a Argentina de moto, vento no rosto, cabelo embaraçado. E fazer sexo no meio do deserto do Atacama, mas daí teriam que ir pro Chile, mas tudo bem. E então fumariam maconha e falariam de Bukowski e trepariam até nascer o sol.
Só que ele era um desses meninos feitos pro mundo, sabe? Não conseguia assumir um compromisso, ter um relacionamento sério desses de mudar o status no Facebook. Ele não queria, ele era livre. E ela só queria que ele lhe pedisse em casamento e assim viveria viciada pra sempre. Menina fraca que ela era.
E você até pode estar pensando, o que foi que ele viu nela? Bem, a Natália era menina de classe média alta, burguesinha, criada em escola particular. Tinha viajado o mundo sozinha, era culta e falava três línguas. Tinha um monte de mania que ele odiava, mas tinha o sorriso mais lindo do mundo. Ela era bonita, corajosa, inteligente. E era boa de cama. Ela lhe fazia rir, ela era colorida. Ela era cor na escala de cinza dele. E ela tinha esse quê de vício nele que, nofundonofundo, era o que mais o atraía. Ele ser o vício de alguém como ela.
E passaram-se uns meses e eles continuavam fazendo tudo isso, mas não foram pro Chile, nem pra Argentina. E um dia ele sumiu. Ela ouviu dizer que arrumou uma namorada tatuada que sabia o que era Blood Red Shoes, não se depilava e acreditava no Comunismo. E sabia timtimportimtim a história de vida de Lenin. E não comia carne. E ah, também devia ser boa de cama e discutir sobre tipos de cerveja do Mercosul. É, vai ver que tinham sido feitos um pro outro. Vai ver que cruzariam os Andes de bicicleta, pregando o ateísmo. Vai ver que trepariam até o sol nascer no deserto do Atacama. Vai ver.
E Natália o esqueceu por fora, mas não por dentro. Achou que nunca mais fosse conseguir tirá-lo do fundo do peito, porque ele era a liberdade dela, ele era o que ela tinha de mais bruto dentro dela, ele era ela sem lapidações.
Até que um dia Natália se casou com um menino de classe alta, advogado, que andava de terno todo dia, já tinha viajado o mundo todo a trabalho, tomava LSD e frequentava raves.
E  ela soube que Ele ainda estava com a revolucionariazinha tatuada, nunca tinham se casado, eram assim: adeptos do amor livre. Mas ele também a esqueceu por fora, e não por dentro. 
Depois de tantos anos, Natália recebeu um email dele, numa tarde de terça-feira chuvosa. Você. Ainda. E isso foi o suficiente pra acalmar aquela adolescente dentro dela. Era simples, não precisava de explicação, não tinha saída: eles eram viciados um no outro, sem culpa. E isso bastava.

What I want is to be needed. What I need is to be indispensable to somebody. Who I need is somebody that will eat up all my free time, my ego, my attention. Somebody addicted to me. A mutual addiction.

Chuck Palahniuk

Opa no vizinho

Começou lá pelo meio dia, com um “Besame Mucho”. A gente passou horas achando que quem tava soltando a Beyoncé era o FREAK, aquele senhor de meia idade meio louco que mora embaixo de mim, ouve Mariah Carey e Whitney Houston bombando e mata pessoas pra enterrar no jardim (o último é fruto da minha imaginação de Bobby, mas eu acredito).
Foi evoluindo pra uma musiquinha dessas de sabe-se lá o que, sabe. A gente assistiu Tropa de Elite inteira, mandou o FREAK desligar o som umas trinta e sete vezes e nem percebeu que o que o “Pede pra sair” encobria era uma autêntica festa grega.
Quando acabou o filme, fomos pra janela. De onde tá vindo isso, afinal? Ali, ó, uns três jardins pra lá (aqui casa se mede por jardim, leia “umas três casas por lá”).
Mano, de repente o treco virou uma empolgação Zorba. Todo mundo batendo palma, eu já pegando uns pratos pra jogar pela janela. Me empolguei, me empolguei, me empolguei. Gritei um OPA bem alto e eles também. É realmente uma fanfarra grega.
Tô super com pó de mico, querendo colocar um vestido longo-a-la-Claudia-Abreu, fazer um bolo com furo no meio e chegar lá quebrando prato. Se eu disser ZULIA e OPA, acho que eu me enturmo, né?

PRESTENÇÃO no OPA do final.
E é, eu sei que não dá pra ver cucuias. Não é à toa que tem raposa no meu jardim, né.

O dono do mundo

Hoje descobri o dono do mundo.
Entrou uma abelha pela minha janela, abelha dessas que só existem deste lado da Terra, enormes, peludas, barulhentas como uma britadeira nas ruas de São Paulo. Entrou pela minha janela e eu não notei até que estivesse bem perto de mim e eu não pudesse mais conter a adrenalina, o pânico, o medo, ou qualquer coisa de sabe-se lá o que que me dá quando essas criaturas chegam perto de mim. É possível ver seus olhos te encarando fixo, pois é certo que não piscam. Não piscam e te olham no fundo da tua alma, como se já te picassem lá por dentro, e amedrontam com um zumbido de fazer até elefante perder as estribeiras.
Dei um pulo do sofá e só consegui chegar ao canto da parede, ao canto mesmo. E ela me seguiu e me encurralou, me fez de gato e sapato. À minha altura do chão, ela pairou de frente ao meu nariz, zumbindo e me olhando no fundo dos olhos, e eu fiquei com medo até de fechar os olhos e já não havia mais saída. Como é que uma criatura do tamanho do meu dedão me mantinha ali – inerte?
Completamente à mercê de suas vontades. Não havia saída, era uma emboscada. E os olhos dela eram coisas de Deus, sabe. Como se Deus estivesse me encarando e dizendo “e agora, josé, a luz apagou, o povo sumiu”. Não havia pra quem gritar. E não acredito que alguém ouviria meus gritos entalados em tamanho zumbido.
Fiquei ali, estática, agarrada à um canto de 90 graus de cimento, querendo reproduzir garras e cavar-lhe bem fundo. Querendo sumir de repente. Fiquei ali à mercê da dona abelha, pronta para sucumbir à qualquer ordem, prostituta, prostituta. Leve o que quiser, só me deixe viver. E ela olhou mais uma vez no fundo da minha alma e zumbiu soberana, até virar-se de costas e encontrar com a maior sabedoria do mundo a fresta aberta na janela. Era a dona do mundo.

She’s always a woman

Ontem ele colocou essa música pra mim. Não sei se acho lindo ou se fico com medo de mim. Hahaha.