“Adultos não olham para o céu”

Essa vida é mesmo mágica. E cada vez mais eu tenho certeza disso, do quanto vamos vivendo um dia após o outro, fechados no nosso próprio mundinho, umbigo mesquinho. Fazia muito tempo que eu não prestava atenção na vida, nas sincronicidades, em sinais. Até que conheci o Senhor Jamal semana passada e levei um choque de realidade, um chacoalhão. Hoje não foi diferente e sinto cada vez mais que existe alguma coisa muito maior nessa vida. Chamem de Deus, de energia, do que quiserem. Existe alguém tentando conversar comigo, me provar ou mostrar alguma coisa, existe alguma coisa acontecendo que vai além do meu entendimento. Um nudge, a vida têm me dado nudges.

Hoje resolvi acordar cedo e caminhar até o parque para ler um dos meus livros do curso. Minha cabeça tem rodado com uma monografia que não termina nunca. O dia está bonito e venta muito.
Sentei-me no banco do Chalfont Park, a poucos minutos de casa e abri meu livro sobre estratégia de marketing. Algumas crianças brincavam lá do outro lado, o vento gerava um silêncio branco, cortado apenas pela voz de uma menina que arrastava seus patins na grama:
– Bonita essa borboleta azul na sua nuca.
– Obrigada, querida. Mas ela não é azul, é preta.
A menina, que deveria ter cerca de sete anos de idade, apenas sorriu com a minha resposta e então mudou de assunto.
– O que você está lendo?
– Um livro sobre marketing.
– E o que é isso?
– Coisas que adultos fazem pra você gastar dinheiro um dia.
– Você é adulto?
– Acho que sim…
– Achar não é ser.
– Então talvez eu não seja. E você, é criança?
– Sou. E serei para sempre. 
– E por que?  É ruim ser adulto?
– Adultos não podem chorar e brincar. Adultos não olham para o céu.
Por um segundo eu questionei a afirmação da menina, que parecia tão óbvia. Adultos não olham para o céu. Desviei minha percepção e entendi que a conversa era apenas infantil, como deveria ser. Mais uma criança, certíssima em não querer crescer. Foi então que ela resolveu voltar a brincar, mas antes disso me disse sorrindo:
– Quando eu crescer, vou querer uma borboleta azul igual a sua. 
Foi então que eu não me dei mais ao trabalho de dizer que a borboleta não é azul, porque aquilo me parecia similar demais. Borboletas azuis. Deus, isso sou eu, é a minha vida, borboletas azuis têm um significado imenso para mim. Por que aquela menina insistia que a minha tatuagem era uma borboleta azul? Em uma fração de segundos, cheia de perguntas em um impulso instintivo, eu gritei enquanto ela arrastava os patins na grama:
– Ei, menina, qual teu nome?
Ela se virou, sorriu novamente e disse:
– Angelina.
Meu coração está disparado até agora. A necessidade de perguntar um nome foi a mesma que senti com o Senhor Jamal, uma prova física de existência, uma prova física de que eu não estava alucinando. Se eu não estivesse aberta para esse tipo de sincronicidade, talvez nunca teria entendido a essência destes acontecimentos. E  não entendo o motivo, mas estou disposta a perceber a dimensão de tudo isso. Alguém está tentando me mostrar alguma coisa, me parece muito claro.
Borboletas azuis são extremamente presentes na minha vida, desde que uma lagarta fez um casulo na casa dos meus avós. Eu disse uma vez aqui, em 2007, “Para mais uma vez unir meu passado distante com alguma coisa do presente, que eu só descobrirei no futuro. Como em todos os meus raros encontros com a borboleta azul”. Tive que voltar nesse texto para procurar respostas. Como se eu já soubesse há cinco anos, a borboleta azul vem como um ciclo, ela sempre aparece para mim quando une o passado com o presente. “A menina da borboleta azul” é um dos meus textos mais importantes, pessoalmente, é um auto-retrato da minha parte criança. A borboleta azul é um resquício da minha essência, e quando ela aparece, eu sinto ciclos da vida se interligando. A última vez que vi uma borboleta azul foi pouco antes de mudar toda a minha vida para o Reino Unido.
E adultos não olham para o céu. Muitas vezes olho para o céu e percebo o quanto a gente não o faz quando cresce. Já analisei esse ponto em mim várias vezes, eu era vidrada em olhar para o céu quando criança. Eu deitava no sofá da sala, que ficava embaixo da janela, e passava horas olhando o céu. Eu era a criança que deitava na grama, na areia, eu passava horas inventando formas nas nuvens. Eu fui a criança que guardou um pedaço do céu. E hoje eu me limito às noites claras e ao telescópio.
Sobre Angelina. Nome da minha bisavó. Significado? Mensageiro.
Acho que não preciso entender mais nada, a vida está cada vez mais clara. A borboleta azul, que não existe no hemisfério norte, veio através de um mensageiro, para me mostrar novamente uma intercessão entre o passado e o presente. A minha chuva de sapos. Deixa o passado ir, olhe para o céu. E me sinto novamente abençoada por ainda estar disposta a depositar um pouco de atenção às sincronicidades. Eu prestei atenção aos sinais. O entendimento deixo por conta da minha alma.
E se Angelina, assim como o Senhor Jamal, era real, não saberei dizer mais uma vez. A verdade é que descobri uma coisa importantíssima: a primeira conversa de um anjo sempre começa com um elogio.

Desabafo: Brasil, um país de deslumbrados.

Você nasce no meio de uma ditadura militar, logo depois da queda de Geisel e entrada de João Figueiredo. Desta época, não se lembra de muita coisa, embora não seja preciso vasculhar tanto a memória em busca de pequenas confusões mentais na vida de uma criança. Poxa vida, o pacote de figurinhas hoje está cinco vezes mais caro do que ontem. Mãe, esse dinheiro não deu para o pão, custa o dobro hoje. Para quem foi criança no começo da década de 80, dias como estes foram constantes. Um zilhão de mudanças de planos: cruzado, cruzeiros, cruzados novos, cruzeiros novos, um zilhão de coisas que não se podia fazer.
Tancredo Neves foi eleito Presidente, festas nas ruas, e tudo então começou a ser normal para você. Ou pelo menos o mais parecido com o mundo de hoje.
Você cresce, olha a implementação do Real – obra de Fernando Henrique Cardoso – com vistas grossas, afinal, como é possível uma criança dos anos 80 acreditar em moeda estável? Você faz trabalhos na escola sobre a queda da didatura, sobre a Eco 92, sobre o Plano Real. Você nasceu dentro de uma constante mudança e só havia uma certeza em meio a tudo isso: o Brasil é o país do futuro. Acredita, um dia não haverá dívida externa, um dia o Brasil será uma das maiores potências econômicas do mundo, um dia o mundo precisará da gente. Porque aqui estão os recursos naturais, renováveis, a mão de obra especializada. Um dia. Um dia que não chegava nunca e só parecia conversa fiada.
Na adolescência estuda política, filosofia, sociologia, é cara-pintada e membro da UNE. Você faz parte do Impeachment do Collor. Você assiste a tudo isso de muito perto e com um entendimento ainda mais afiado. É difícil querer olhar para trás, mais difícil ainda ver o Brasil no futuro.
O tempo passa, a vida vai tomando conta e Lula, aquele cara da oposição, figurinha presente em todos os debates que você já assistiu, vira Presidente da República. Mais uma vez, o início da década de oitenta volta aos seus olhos, 1994, Collor, e agora, o que vai acontecer com este país? Oito anos se passaram e Lula elevou o Brasil à uma posição antes considerada utópica. Teve corrupção? Teve. Teve coisa errada? Muita. E logicamente, isso não foi só mérito dele, mas de uma evolução de re-estruturações econômicas que ocorreram desde a ditadura militar. Eu nunca votei no Lula, vou ser sincera com vocês. Nunca fui petista. Mas não sou hipócrita a ponto de não assumí-lo como o Presidente que esteve no poder durante uma das maiores ascenções econômicas do Brasil. Não farei nunca isso, porque mais do que manter as minhas opiniões, eu prefiro mudá-las após analisar a situação com os olhos de quem está em constante aprendizado e amadurecimento.
Você passa a vida inteira esperando por um país do futuro até que um dia, deitada na sua cama feita no hemisfério norte do planeta, a notícia que antes parecia utopia: Brasil ultrapassa o Reino Unido e entra na sexta posição de maior potência econômica do planeta. Os olhos lacrimejam. Porque melhor do que ninguém, você é residente do país ultrapassado há quatro anos, você vai ao Brasil todo ano e sabe o quanto isso é verdade. Sabe o quanto consegue comparar.
E o orgulho de ser Brasileiro, em todos os sentidos – principalmente de ter a alma brasileira, te leva até a escrever o nome do país no teu corpo. Mas algo te entristece. Te entristece ter passado por tudo isso desde a ditadura militar, te entristece ter visto tantas mudanças e evolução dentro de um povo que tem tudo pra ser o melhor do mundo. O Brasil só não é primeiro nessa grande lista, pelo que ele tem de melhor e de pior: um povo incrível e alienado. Um povo que não se leva à sério e não acredita que para se construir um país é necessário todas as mãos. Somos formados pelo melhor povo do mundo, mas nos deixamos fazer de palhaços. Porque é muito fácil e engraçado projetar piadinhas na internet por dias e dias seguidos, é muito fácil querer conquistar os quinze minutos de fama, gastar umas horinhas no Corel fazendo banner de meme de internet, ganhar quinhentos followers, e é isso que importa. Que se dane não jogar lixo no chão, brigar com quem estaciona em vaga de deficiente, que se dane reclamar do serviço público, assistir a um debate político antes de votar.
Me choca o jeito com que Brasileiro consegue pegar um comercial imobiliário da Paraíba e transformar uma pobre coitada em celebridade, por causa de uma frase. Pior. A mídia – que deveria estar focada em tantas outras coisas – entra na onda, a Publicidade apela para a total falta de talento sanguessuga e multiplica. Tudo se multiplica. O arsenal de besteira se projeta de uma forma que uma questão política jamais se projetará. Os focos estão todos errados.
Eu aqui do outro lado do mundo, sem assitir à TV Brasileira, já não aguento mais ouvir falar em Michel Teló, Pe Lanza, Luiza, Big Brother. Nunca assisti à um episódio desse Big Brother, nem li nenhum artigo, mas sei que existe um tal de Daniel que, teoricamente, estuprou uma menina bêbada. Sei que Pe Lanza é o vocalista de uma banda chamada Restart que ninguém suporta e usa calças coloridas. Mas olha que engraçado, não saberia nunca o que tem acontecido com o Ministério da Dilma, se não entrasse em algum site de jornal digno, que fale de política.
Algumas coisas no Brasil nunca darão certo. Porque Brasileiro não se leva à sério e, meu amigo, quando a gente não se leva à sério, não tem como esperar isso dos outros. Mídias sociais servem para marcar marcha da gente diferenciada, das prostitutas, dos zumbis, marcha do diabo a quatro, mas não servem pra aumentar o número de participantes de uma passeata a favor do aumento de salário para professores públicos.
A verdade é que a parcela de gente que acredita que o Brasil é muito mais  que uma Luíza ainda é muito pequena. A parcela de gente que ainda acredita que é preciso muita coisa para mudar – e que é muito fácil se mobilizar para isso – já perdeu as esperanças; quando abre um portal de notícias online e só lê sobre entretenimento. É isso. O Brasil é um país com problemas psicológicos. A gente se droga com babaquices para fugir da obrigação de encarar a realidade, levantar a bunda da cadeira e fazer alguma coisa que realmente preste. Porque é muito mais fácil ser patético do que cidadão. E meu caro Carlos Nascimento, você se enganou, nós não fomos mais inteligentes. O Brasil foi e continua sendo um grande país de deslumbrados. O Brasil do futuro ainda não é presente.

As pessoas têm medo das mudanças. Eu tenho medo de que as coisas nunca mudem.
Chico Buarque

Calendário

E a cada dia eu o amo mais pelos pequenos detalhes. Como quando ele circula à caneta os dias que passaram no calendário da cozinha.

Sentido

Caminho pelas ruas do interior da Inglaterra, faz frio, muito frio, e ainda não amanheceu. Não são sete da manhã e os primeiros raios de sol surgem incrivelmente vermelhos em um horizonte plano, plano como uma ilha sem saída. Os acordes de Robby Krieger alucinam meus ouvidos e eu apenas observo meus pés entre folhas e orvalho congelados. Olha por onde andam esses meus pés.
E essas pessoas que cruzam meu caminho, terão elas corrido atrás do que realmente queriam na vida? Teriam elas segurado seus desejos nas pontas dos dedos e deixado escorrer? Rostos tristes de quem nega a vida, de quem não corre atrás, rostos tristes de quem desiste antes de tentar. Seriam elas do tipo de pessoas que brilham os olhos para o que querem, mas se mediocrizam atrás da culpa do não merecimento? Não posso, não devo, não olhe mais para isso, continue caminhando, é fácil demais para ser felicidade. Um dia te ensinaram que é preciso sofrer para merecer a felicidade e vou te dizer uma coisa: essa é a maior mentira que já te contaram. Ser feliz é fazer sentido da vida, ser feliz é sentir vida.
Talvez eu faça parte de uma pequena fatia da humanidade que não tem medo de arriscar, de virar a mesa e mudar o que incomoda. E a minha falta de medo é o que mais amedronta. Sou feita de coragem e um milhão de receios, sou exatamente igual a todo mundo. A diferença entre mim e você é que não sei parar. Não sei me acostumar, acomodar me anula. E eu não aprendi a olhar o que me brilha e não seguir, não aprendi a fugir de mim mesma. Muito pelo contrário, eu fujo cada vez mais para dentro.
Não sei que parte da vida você perdeu dizendo não, não sei o quanto de vida ainda perderá. Mas de que vale estar vivo se não puder fazer o que realmente importa? Qual é o sentido de tudo isso à sua volta, se você não tem coragem de correr atrás do que quer?
Mude.
Corra riscos. Ninguém chega a lugar nenhum sem arriscar. O máximo que pode te acontecer é viver.

 

Corre, que os dias escorrem líquidos pelos dedos. A vida não espera, nenhum nascer do sol é igual a outro. A mediocridade pode até ser parte presente, mas não deveria nunca ser o sentido da sua existência.

 

If you do it, it will be something. If you don´t do it, it will never be anything.

“I really enjoyed our conversation”

Noite gelada de dois graus negativos, eu caminhei até o ponto de ônibus depois de um café com um amigo na Starbucks. O painel dizia que o ônibus só chegaria em uma hora, tempo que me pareceu extremamente longo debaixo de uma temperatura dessas. Hesitei esperar, me sentei e procurei dinheiro na minha carteira que fosse suficiente pra um táxi. Estava tendo um dia de merda, dane-se pagar um táxi pra casa, eu trabalho e o frio não compensa.
Nem me dei conta de que havia outra pessoa sentada no ponto de ônibus também, coisas da vida, às vezes estamos cegos demais para olhar a um palmo. Só percebi que alguém estava ao meu lado quando ouvi:
– Você foi esperta com o frio, colocou botas longas. Muito bonitas, as suas botas.
Eu então me virei para o lado e lá estava um senhor negro, vestindo um sobretudo e sapatos sem meia. Não aparentava ter muito dinheiro, mas também não era mendigo, era apenas alguém esperando um ônibus como eu. Agradeci o elogio e falamos um pouco do frio, como todo começo de conversa na Inglaterra.
Quando me dei conta, eu já havia mudado dois bancos para o lado dele e estávamos falando de economia, guerras e história política. Algo nele me encantava, qualquer assunto que eu trazia ele dominava completamente. Falava como um professor. Foi então que me contou que veio da Somália para a Inglaterra há 32 anos para fazer MBA em Agricultura na Universidade de Reading. Viveu dois anos na Suécia e voltou para Reading para um PhD, hoje em dia ele é Professor independente, ou particular, como chamam no Brasil.
A cada desfecho de conversa meu sorriso se transformava, ele me emanou uma paz que eu não sentia há muito tempo. Uma conversa que eu não tinha há muito tempo. O frio já não era tão presente, eu perdi meu gorro no meio do caminho e só o percebi na calçada do outro lado da rua meia hora depois. O táxi não fazia mais sentido. Aquela conversa, aquele senhor africano, aquele momento, aquilo tudo era vida para mim.
Esperamos o ônibus por uma hora e, como nada parece acaso, ele esperava exatamente o mesmo ônibus que eu.
Entramos juntos e nos sentamos lado a lado, a conversa tinha que continuar. Eu podia me ver ali, conversando sorrindo com alguém, como há muito tempo não fazia. Eu senti meus olhos brilharem.
O ponto dele era pouco antes do meu. Antes de descer do ônibus me disse:
– Muito prazer, Milena. “I really enjoyed our conversation”. Te desejo uma boa vida, porque você é uma boa menina.
Eu agradeci, desejei-lhe uma boa vida também e foi somente quando ele se levantou que percebi que era deficiente físico. Não tinha o braço direito e andava torto. Desceu do ônibus e me acenou da calçada até continuarmos a jornada.
Eu não consegui esconder o leve sorriso no rosto, a sensação de ter conhecido uma pessoa especial, o orgulho que tenho de mim  mesma quando não faço o que a maioria das pessoas faz: cortar conversas com estranhos. Me senti abençoada pela vida por ter tido a oportunidade de dividir uma hora de frio com um ser humano tão único. Por ter aceitado um elogio às minhas botas, por ter escolhido ficar, ao invés de procurar um táxi.
Foi então que percebi como aquele acaso não parecia acaso. A frase “eu realmente gostei da nossa conversa” me causou um frio no estômago na hora. Essa frase é uma das principais de um filme que eu adoro, “O Último Samurai”. Assisti ao filme essa semana novamente e ela sempre fica presa em mim, pois vem do diálogo entre um líder samurai Japonês e seu prisioneiro, o capitão do exército Americano. O samurai diz querer ter ” conversas” para conhecer melhor seu inimigo, mas no contexto e decorrer do filme você percebe que seu único interesse e fascínio é o ser humano. E quando o senhor africano me disse a mesma frase, com exatamente a mesma estrutura, senti um arrepio na espinha. Como se a vida estivesse me dando de presente um pouco de entendimento, de abrangência, um pouco daquilo que é uma das minhas maiores paixões e eu talvez tenha perdido na frieza da Europa: as pessoas.
Eu não sei se algum dia verei o Senhor Jamal de novo. Se querem mesmo minha opinião, não sei de certo se ele era real. Voltei quinze anos na minha vida, para as páginas de um livro que diziam sobre a sincronicidade e a aparição de “anjos” em determinados momentos nossos. O senhor africano era tudo o que eu precisava naquela hora. A nossa conversa me encheu de paz, sabedoria, felicidade, orgulho e humildade. O que ele me disse ontem, no fim de um dia tão complicado, foi imprescindível. Que eu tenha uma boa vida, porque sou uma boa menina. E se nunca mais nos virmos, Senhor Jamal, I have really enjoyed our conversation. O ser humano ainda é uma das minhas maiores paixões e fascínios.

Ele foi meu maior significado de vida

A vida, para ele, era algo muito simples, uma folha seca recolhida em algum lugar especial e guardada dentro de um livro. A vida, para ele, morava nos pequenos detalhes, nos menores gestos, nos maiores sorrisos. Ele sabia, melhor do que ninguém, a como colocar em prática a felicidade.
Não havia tempo ruim, não existiam dificuldades, por piores que fossem. O que mais lhe importava era o quanto poderia fazer sorrir assim que o sol nascesse. Alegria.
Alegria era pescar na praia, pingado de padaria, mandioca frita. Alegria era bloco de carnaval na rua e banda de palhaço. Alegria era contar piada o dia inteiro e rir de desenhos animados com a gente. Alegria era deitar no seu colo pra assistir filme de bang-bang antes de dormir. Ele fazia a melhor pizza do mundo, ele me ensinou que as rosas falavam. Ele me mostrou o quanto as rugas vão aumentando com o tempo, entre os dedos grossos que entrelaçavam as minhas mãos todos os dias nas poltronas lado a lado. Ele me ensinou que todo mundo é amigo, até que nos provem o contrário. Ele era a vida mais natural que eu já conheci, ele era a chácara da USP, as galinhas correndo no campo, ele era meu abacateiro e minha pitangueira. Ele era a visita certa de todo fim de tarde, a que trazia  mangas de presente, porque sempre soube que eu gostava de manga. Ele era os pequenos detalhes, o caldo da cana, o radinho de pilha. O meu colo no sofá de casa contando as minhas melhores histórias, meus contos de fada reais.
Era com ele que eu dividia o quarto quando dormia em sua casa, e ele era meu maior herói e me protegeria dos monstros que entrariam pela janela. Foram pra ele todos os meus presentes feitos na escola, todo o meu amor de filha.
Era ele quem me chamava de Mizinha e virava o mundo de cabeça pra baixo por mim. Era ele quem me visitava no trabalho à tarde, e ninguém reclamava disso, porque era lindo receber uma visita assim no trabalho. Era com ele que eu almoçava toda quinta-feira e todo domingo, era dele que eu cuidava quando começou a ficar doente.
Foi ele quem disse antes de partir para não chorar, porque a vida é assim mesmo. Não chora, Mi. Não chora agora.
Ele foi minha maior alegria, meu melhor amigo, meu maior significado de vida. Ele foi minha maior dor, minha maior perda.
E até hoje me lembro de pequenos momentos, flashbacks que cruzam minha mente quase todos os dias. como se a minha mente tentasse encaixá-lo na minha realidade ainda. E é pra ele que eu ainda olho todos os dias antes de dormir, no pequeno porta-retrato ao lado da minha coisa.
Vô, olha quanta vida eu tenho vivido do jeito que você me ensinou.  Olha quanta coisa aconteceu e você não estava comigo. Nove anos sem você e as lágrimas parecem que nunca vão cessar. A saudade boa, o tempo trouxe. A falta que você me faz nunca será curada.

Feliz 05 de Janeiro, vozão. Era dia de comprarmos bolo pra você na praia. Feliz 98 anos, onde quer que você esteja.

Te amo absurdamente.
Mizinha

 

O que eu quero em 2012

Não quero nenhuma resolução de ano novo desta vez. Chega de repetir itens de uma eterna e infinita lista que eu nunca cumpro. Chega de hipocrisia e de apologia à esse modo de pensar mesquinho, onde a gente só faz o que deveria fazer o ano inteiro, nos últimos dias dele. O que eu quero para este ano é me tornar mais humana.
Que em 2012 eu aprenda a lidar melhor com o apego. Não vou esperar que eu me desapegue de tudo como em um milagre budista, mas que eu aprenda a rever meu comportamento e saiba lidar melhor com o significado – principalmente das pessoas – pra mim. Que eu aprenda a não esperar nada dos outros. Mesmo. Que definitivamente eu deixe de lado essa minha mente adolescente corrompida por contos de fadas e entenda que ninguém pode dar além do que quer. Ou do que pode.
Que eu aprenda a aceitar as pessoas como elas são e nunca espere nada de volta. Que eu enxergue todas elas com suas mochilas cheias de vida, dores, corações quebrados, esperanças frustradas, e que entenda que nem sempre é possível ir além do que se deseja. Que eu entenda que pessoas não mudam, mas podem tentar. Que nem sempre o que foi, é e será. Que eu aprenda a viver menos de passado e consiga virar minhas páginas sem temer o branco. Que eu entenda que todo mundo sofre, todo mundo ama, e tudo é um constante aprendizado. Que eu aprenda principalmente a deixar de querer entender o por que de tudo, como uma criança mimada de cinco anos de idade. Pensar não resolve, só machuca.
Que eu entenda que a vida não tem sentido se não houver amor, e que amor não se cobra, não se pede de volta. E que se um dia alguém não me oferecer amor de volta, que eu me lembre da velha mochila. Cada um sabe o que traz no coração, às vezes as pessoas simplesmente não sabem o que fazer com o amor.
Que eu deixe de me importar com quem não se importa comigo, com quem não faz questão de ser parte presente na minha vida e saiba guardar os momentos bons no passado, trancados à chave, e não relute querendo trazê-los à vida no presente. Que eu aprenda a olhar tudo o que tenho comigo com olhos de gratidão. E que eu curta muito tudo o que eu tenho.
Que eu aprenda, acima de tudo, a viver o hoje, a curtir o agora, a guardar o ontem e não pensar no amanhã.

E que, ainda que me desapegue, deixe de entender, não me importe tanto, não espere nada, que eu nunca perca a minha essência. Que eu nunca deixe o sangue parar de correr quente no meu pulso. Que eu nunca perca a fé no ser humano e na vida, pois essa é a maior fé que eu tenho. Que eu nunca desista de amar mais e mais a cada dia, ainda que meu coração se quebre. Que eu nunca sufoque a minha intensidade para agradar aos outros. Que eu nunca seja desleal com os meus sentimentos, ainda que precise matar alguns. Que eu nunca deixe de transpirar a verdade por mim mesma, que eu nunca deixe de acreditar que a cada dia nasce uma oportunidade de sermos felizes, mas acima de tudo, uma oportunidade de sermos nós mesmos. Melhores e lapidados.

Sobre coelhos, vacas e galinhas

– Babe, como as pessoas têm coragem de comer coelho? Olha a Pinga, por exemplo. Ela sabe tudo o que tá fazendo, tem uma personalidade incrível. Ela se lembra de coisas que fez semana passada, de pequenas descobertas, ela pede carinho, colo, geeeeente, como as pessoas têm coragem?
– Ah, mas os coelhos comíveis são criados pra isso.
– Mas isso não impede que eles tenham a personalidade da Pinga. Eu nunca comi coelho e sou capaz de bater em alguém que coma, hoje em dia………….. Babe, acho que se eu tivesse um peixe, uma galinha, um porco e uma vaca, eu virava vegetariana enlouquecida, sabia…

A expressão dele mudou para “muito séria”:

– Milena. A gente não vai ter uma vaca.

 

HAHAHAHA acho tão lindo o jeito que ele me conhece. Felícia quer galinha, porco e peixe. A vaca pode esperar hihihi.