Demoliram a minha casa

Ontem minha mãe me telefonou pra dizer que estão demolindo a casa onde eu nasci. Eu não sei explicar o turbilhão de sensações que eu tive, um certo desgosto, uma tristeza no fundo do peito, um conformismo pelo fato da casa não ser mais nossa. Sei lá, de um certo modo eu sempre achei que a casa onde nasci fosse ser sempre minha, não importa quantos donos tivesse.
Minha mãe disse que demoliram o primeiro andar, não preciso ser nenhum gênio para imaginar que minha casa foi vendida à algum tipo de incorporadora babando para construir pequenos milhões em apartamentos. Malditas construtoras derrubando minhas memórias de infância. Primeiro foi a minha escola, que eu podia ver da janela – e ela era um conforto, pois sempre estava ali; depois foi a minha escola de natação que cessou meu contato com tatus-bola. Nunca mais vi tatu-bola desde que demoliram aquele jardim. Agora resolveram demolir a casa onde nasci e morei até os 6 anos de idade, mas que foi nossa até 7 anos atrás.
Eu fui arremessada para a minha casa no telefonema. Fechei os olhos e esperei alguém que alcançasse a maçaneta para abrir o portão da garagem. As escadas eram tão compridas. Dessa vez eu subo sozinha, paro no quintal da frente, elevado. A cerca de madeira, toda aquela praça de brincadeiras, o pôr do sol atrás das árvores, os triciclos embaixo da janela da sala.
Continuo subindo as escadas e entro na sala, minha primeira lembrança são as festas de aniversário. Casa cheia, mesa grande, palhaços. Escuto a risada da minha mãe, os choros da minha irmã. Caminho pelo corredor, a adega. Como podem demolir a adega do meu pai? Como? Eu nunca pude experimentar um dos seus vinhos, mas a adega estava ali. Eu sabia que ela nunca iria a lugar nenhum.
Entro na cozinha e os azulejos dos anos 70 me socam a boca do estômago. A porta de vidro, a tábua de madeira com formato de porquinho que eu tanto gostava de olhar. O rádio de pilha da Nicinha tocando Roberto Carlos.
Subir as escadas me dá um aperto no coração. Vejo as bicicletas no corredor que o Papai Noel deixou em algum dia de Natal, vejo meu quarto, minha irmã ainda dorme no berço, rodeada de palhaços pendurados na parede. As prateleiras de madeira maciça guardavam todos os protetores dos meus sonhos. Minha cama ainda tem o livro do Pato Donald de capa dura que ganhei em algum aniversário e que coloquei sobre a colcha com tanto cuidado. Tinha sido o melhor presente da minha pequena vida.
Saio do meu quarto com aquela sensação estranha de que o nível dos meus olhos está muito mais alto que as minhas lembranças. Caminho até o outro quarto e vejo o estranho toca-fitas portátil que minha mãe tinha, com grandes botões onde a gente se confundia e acabava gravando coisas em cima do que não devia. Aperto o botão de abrir e a fita da Emília ainda está lá dentro. O armário ainda guarda a coleção de supermercado em miniatura, o quarto ainda tem o jogo de mesa de plástico para crianças, com adesivos de jacaré que o Dr. Jacob nos deu. Era minha pequena produtora de desenhos, a mesa amarela.
Papai era tão adorado que quando ele se foi muita gente cuidou de nós. O Dr. Jacob trazia as melhores balas do mundo e os presentes mais caros. O Dr. Honda nos mandou cestas de Natal até seu falecimento, há poucos anos. São pessoas cujas lembranças moram nessa casa, se eu fechar bem os olhos, consigo ver vagamente na minha memória o sorriso do Dr. Jacob e sua careca.
O quarto da minha mãe nunca me fez bem, acho que muita coisa ficou marcada em mim. A doença do meu pai, as dores que minha mãe tentava esconder. Mas ainda me lembro do papel de parede, do espelho grande e da minha mãe de cabelos cacheados e unhas vermelhas compridas me mostrando a coleção de isqueiros do meu pai. Eu já não me lembrava muito dele.
Eu sabia que o dia em que abríssemos mão da casa ela não guardaria mais o som das nossas risadas, as cantorias, as lágrimas perdidas. Eu sabia que concreto não tem memória e que sempre existiu o risco da casa ser reformada, refeita completamente por dentro, ainda que tirassem a adega de lá. Mas depois dos seis anos de idade eu aprendi a sempre passar por aquela rua devagar, eu sempre diminuí a velocidade do carro para olhar para ela, como se ela precisasse ser contemplada. Como se eu precisasse sempre mostrar meu respeito por ela. Como se a casa 1112 fosse meu pequeno templo, meu pequeno pedaço de vida, o elo mais real que eu tive com o meu pai.
Eu sei que as lembranças deveriam ficar por dentro, trancadas em mim. Eu sei que memórias são abstratas e essas são impossíveis de serem demolidas. Mas eu também sei que desta vez, quando passar de carro na frente dela, eu vou acelerar.
Fico me perguntando se alguma dessas escavadeiras se questiona o quanto de infância mora em um tijolo, o quanto de sonhos guarda uma janela, o quanto de lembrança existe em uma parede. A casa 1112 era minha infância. Era o pouco que eu ainda guardava do meu pai. Tomem cuidado com os meus tijolos.

1983, eu diria.

A vida terrena não nos permitiu muito tempo, mas tenho de ti as melhores qualidades e os melhores defeitos.
É pela tua falta que não sou muito boa com o dia dos pais. Feliz, seja onde for, pai.

Incoerência: desabafo de uma quarta à noite

Descobri que as pessoas são completamente incoerentes. De uma incoerência falsa, superficial. Nada tem a ver com uma pequena loucura, há sanidade em todos os poros. A incoerência é apenas falsidade.
Não aguento mais superficialidade, pessoas rasas com invejável marketing pessoal. Não tenho mais saco para gente que tenta fugir de estereótipos, criando outros ainda piores. Não suporto mais cascas interessantes que escondem personalidades podres, espíritos mesquinhos sem consideração alguma. Não respeito quem brinque com sentimentos, sejam eles quais forem. Não aguento mais me apaixonar por seres humanos decepcionantes. Onde foram parar os elos das amizades de adolescência? Como se fazia isso?
Não peço muito, peço gente como eu. Que aja de acordo com o que pensa e sente, que não tenha medo de ser julgado por ser quem é. Que preze e considere os outros com suas cargas emocionais, suas dores e seus corações. Que não pisem em corações. Peço gente que saiba entender o sensível, que consiga ler as entrelinhas de um olhar. Gente que se emocione mais com o ser humano do que com um jogo de futebol. 
Peço o gesto, muito mais que as palavras. E das palavras, peço somente as honestas. Peço a sinceridade, comigo e consigo. Sejam sinceros com vocês mesmos, com o que sentem e pensam. Peço apenas o verdadeiro, a aceitação, o discernimento. Apenas diga ou faça algo para alguém, se o fizer com todo o seu coração.

O que as pessoas não percebem é que quanto mais incoerentes são, mais fracas e mal resolvidas se mostram. A coerência nada mais é do que a lapidação da personalidade; é quando mente, alma e coração querem as mesmas coisas.
Lealdade e genuinidade têm sido nobrezas raras de se encontrar no ser humano.

Em pé

Se um dia me achar endurecida e racional demais, pense na quantidade de porrada que posso ter levado da vida. Só eu sei o tamanho dos meus ombros e o quanto eles são capazes de suportar. Só eu sei quantas vezes perdi o rumo, deixei as pernas arquearem e não me senti grande o bastante para tanto peso. Mas perder o equilíbrio não implica em cair. E se cair, há de se levantar de novo e de novo e de novo. A posição é em pé, sempre.
Vez ou outra desejo ser menina novamente, mas isso seria fugir de um potencial incrível de me tornar alguém melhor.

Amor de bicho

É no fundo dos seus olhos que vejo o brilho mais intenso. O medo diluído na confiança construída diariamente. Seus olhos confiam em mim mais do que em qualquer outra coisa desse mundo. Minha voz te acalma, te ensina. Meus dedos afagam teu coraçãozinho quente.
Te observo dormindo dentro de um sonho qualquer, com o que será que você sonha? Chega bem pertinho de mim, chama a minha atenção do jeito que só você sabe fazer. Coloca sua cabeça embaixo da minha mão para que eu consiga afagar-te a alma, tão imensa.
Deita em cima de mim, quietinho, quietinha. Acalma a minha calma que te ama. Olha no fundo dos meus olhos e me permite ser esse brilho refletido na sua alegria, na sua saúde, em pequenos pulinhos de felidade pela sala, em rabos abanando sua paixão. Fecha esses olhinhos de bicho enquanto entrega-me teu pequeno mundo, confia em mim sua vida mais bonita enquanto encosta sua testa na minha.
Divide sua respiração comigo, esse amor puro e incondicional. O amor mais bonito de todos os tempos, o amor de bicho.

 

 

*Uma pequena homenagem à todos os bichos que já passaram pela minha vida, em especial ao meu cachorro e às minhas coelhas – que ainda dividem todo esse amor terreno. Se existe um céu de bichos, é para ele que quero ir.

 

 

 

Cicatriz

Ontem à noite ele acariciava as cicatrizes da minha barriga. Ele sabe que não sou a maior fã delas e, por estar pensativo, perguntei em que pensava.
– Eu amo as tuas cicatrizes. É por elas que te tenho aqui. Comigo.

Uma das minhas cicatrizes foi para tirar o ovário direito. Poucas pessoas no mundo imaginam a dor que é para uma menina de 24 anos passar por uma cirurgia dessas, em que tudo é risco de infertilidade. O medo de ficar infértil do dia para a noite, quando se tem alguém, é uma das situações mais enlouquecedoras pelas quais já passei. Dizer para quem você ama que tudo bem, se eu ficar infértil não te culparei se tiver que ir embora, é simplesmente horrível.
Poucas mulheres no mundo que correm o risco de ficarem inférteis ouvem de um namorado – no auge da juventude dos dois – que aconteça o que acontecer, estarei ao seu lado; ainda que não possa me dar filhos, estarei ao seu lado. Essa, uma das cicatrizes que eu tenho, é a maior prova de amor que já tive na vida.

Feliz 15 anos, meu maior amor

Queria te dizer algumas coisas hoje, escrever-te algo bonito mais uma vez. Queria poder te pegar no colo, fazer coisas que só nós dois fazemos juntos, como deitar-me no banco da praça com você deitado no meu peito. Queria poder sentir tua respiração bem pertinho do meu nariz, como nesses momentos mágicos que dividimos, quando você encostava tua testa na minha e o mundo, por alguns segundos, parava. Você é a minha paz, você é o maior amor queeu já tive nesses últimos quinze anos. O que eu sinto por você, eu nunca sentirei por mais ninguém. Amor imenso, incondicional, único. E a saudade me rasga a alma, com uma pequena dose de culpa, por ter te deixado longe de mim.
Meu menino. Hoje, eu deixo aquela música que eu sempre cantei pra você dizer tudo por mim, pois não consigo. Existe um nó na minha garganta e um buraco no meu peito. Faça de conta que estou aí, pequeno, cantando no teu ouvido, em alguma praça, mais uma vez… Feliz 15 anos, meu filhote. Só peço que Deus te dê muita saúde pra gente se encontrar em breve novamente. Te amo absurdamente, Billy.

http://tinysong.com/SPeU

http://youtu.be/2wN27j9dLoM

PS: O WordPress me impede de colocar as mídias, então abram os links em novas janelas.

 

 

Longe dos olhos?

Eu não hesito em mudar o ditado, porque nos dias de hoje os olhos virtuais mantém perto.  Ausente, longe do coração.

Com vertentes para:

  • Offline, longe do coração.
  • Bloqueado, longe do coração.
  • Não fuçado, longe do coração.

 

Adote o seu.