Às vezes mudo meu dia para pegar caminhos antigos.
Desci do ônibus trinta minutos antes do ponto de sempre, parei em Cemetery Junction (o mesmo do filme do Ricky Gervais). Boa parte da minha vida em Reading foi em volta deste lugar.
De um lado do Cemetery Junction fica o Palmer Park. Quantas vezes saí de casa pra correr nele, para tirar fotos ou para pensar na vida, que naquela época era tão difícil. Do outro lado, a London Road, a rua em que morei por três anos.
Decidi caminhar pela London Road. Às vezes é quase essencial sentir os cheiros e ouvir os passos de um passado não tão distante. A cada inspiração, uma lembrança. Foram momentos tão intensos, pouca gente sabe tudo o que vivi aqui. Quantos pensamentos cruzaram esta rua, sempre cheia de folhas amarelas no chão, quantas frustrações, desejos, anseios. As músicas que tocavam no ipod naquela época percorrem meu corpo mentalmente, como pequenas trilhas sonoras. É como voltar à uma gaveta fechada.
Cruzo a Alexandra Road, rua que seguia para a academia. Paro por um minuto e a olho subindo em um turbilhão de pensamentos antigos, pessoas, situações, sensações.
Ao chegar perto do meu prédio tentei reviver o caminho da entrada dentro de mim, o código do portão eletrônico. Se eu fechasse um pouco os olhos, conseguiria ver minha bicicleta no jardim. Engraçado como às vezes a gente se esquece das lembranças ruins e apenas as boas permanecem. Eu tenho uma Pollyanna em mim que nunca se dissolve: apenas o bom e o bonito de tudo ficaram comigo.
Eu sei que eu deixei alguma coisa naquele flat, talvez um pouco da minha ingenuidade, talvez um tanto da minha fé no ser humano, talvez um enorme fardo de medos que nunca imaginei ter antes. Mas descobri inúmeras coisas sobre mim mesma também. Sobre toda a minha força e o meu amor.
Cruzei a esquina da St. Andrew´s Church, igreja que eu apenas frequentava para doar sangue, e vi o parque George V à direita. O Parque George V também é conhecido como Eldon Square, uma pequena praça quadrada com uma estátua no meio, canteiros de flores e bancos nos quatro cantos. Atravessei a rua porque precisava resgatar algumas coisas que deixei por lá. Na Eldon Square eu deixei o Benjamin, meu primeiro boneco de neve. E, com ele, talvez tenha encontrado uma certeza de que meus anos neste lado do mundo não seriam poucos.
Algumas fotografias passaram em frames pelos meus olhos na Eldon Square. Primaveras, verões, outonos e os invernos mais gelados. Um dia sentei em um dos seus bancos ouvindo The Cranberries, em uma fase decisiva da minha vida. Havia guardado todos os meus pertences em um depósito e não sabia se voltaria à Inglaterra. All my life is changing everyday in every possible way. Eu já tinha me sentido assim antes. I know I’ve felt like this before, but now I’m feeling it even more.Eu sou saudosista porque talvez, de alguma forma, eu precise constantemente me compreender. Voltar aos caminhos antigos nada mais é do que resgatar pedaços de mim que construíram o que eu sou hoje. Ser saudosista talvez seja apenas um jeito de me olhar por dentro, entender o que sou agora e construir o que tenho sido.
E a minha vida e eu, nós somos essa eterna e adorável metamorfose.
And then I open up and see the person falling here is me, a different way to be.
Texto lindo. Consegui voltar com você no tempo, não nas suas memórias, obviamente, mas no meu tempo. Coisas só a sua sensibilidade ao escrever consegue nos fazer. Um beijão. Te amo amiga!
puxa mi, que lindo! lembrei dos meus dias por aí tb. Caminho da academia, orelhinhas, perdendo o onibus pq estava jogando no pad, a calma, os riscos brancos, o mercado….a maneira como eu ria de mim mesma a todo momento em que eu não conseguia falar o que eu queria, que por isso eu sempre comprava o passe da semana mesmo q nao valesse a pena…ai q saudade q deu!