Vento

Ando tão cansada de andar contra o vento,  remar contra a maré, reconstruir, re-cuidar, re-tentar, refazer. Ando cansada.

Tenho a sensação de que estou sempre tentando tentando tentando tentando, e esse vento soprando contra mim.

Ando tão cansada.

De gente me convencendo, de mim mesma me convencendo a deixar o barco fluir naturalmente. Há de se colocar alguma direção, alguma força, há de se remar um pouco.

Se o vento sopra contra, o barco vai para trás.

O seu porque

Porque você me faz um bem que nem imagina, porque consegue mexer lá na parte mais crua de dentro de mim, porque apareceu na hora em que eu não podia, mas na hora em que precisava, porque me enche o estômago de frio, me arrepia a nuca, me faz perder a respiração quando mais preciso dela, porque me ensinou tanta coisa esquecida, me mostrou tantas novas paixões, porque te sinto cada vez mais dentro, porque você me arranca a casca da ferida em carne viva e faz doer de um jeito que é bom, porque você ativa todos os meus chacras ao mesmo tempo, porque eu gosto, porque eu gozo, porque você não sai da minha cabeça, não sai do meu peito, não sai do mais íntimo de mim, porque eu sinto teu cheiro no travesseiro, eu sinto teu gosto na minha língua, porque é o seu rosto que eu desenho no vazio, sua mão que eu procuro no frio, porque é o seu suor que escorre na minha pele quente, porque eu te invento, eu te reinvento a cada segundo. Porque você consegue mexer lá na parte mais crua de mim: aqui está o seu porque.

Agora se preferir, me ensina a me doar menos, a ser menos intensa, a não mergulhar no que me faz bem e a esconder meus sentimentos. Me ensina a não ser eu.

Por Neruda


De pena em pena cruza suas ilhas o amor
e estabelece raízes que logo rega o pranto,
e ninguém pode, ninguém pode evadir os passos
do coração que corre calado e carniceiro.

Assim tu e eu buscamos um vazio, outro planeta
onde não tocasse o sal tua cabeleira,
onde não crescessem dores por minha culpa,
onde viva o pão sem agonia.
 
Um planeta enredado por distância e folhagens,
um páramo, uma pedra cruel e desabitada,
com nossas próprias mãos fazer um ninho duro.
 
Queríamos, sem dano nem ferida nem palavra,
e não foi assim o amor, senão uma cidade louca

onde as pessoas empalidecem nas sacadas.

Cem Sonetos de Amor, Pablo Neruda.

E se

E se eu tivesse feito tudo diferente, e se eu tivesse sido diferente. E se eu não tivesse entrado naquele avião em Dezembro de 2003.

Eu não estaria aqui com o David.
Numa casa de boneca no interior da Inglaterra, ouvindo Bob Dylan à luz de velas, bebericando um vinho, dando risada e planejando uma viagem de barco pelo Tâmisa.

Talvez eu fosse feliz. Talvez eu seja feliz.

Talvez o que eu procure da vida eu nunca vá achar mesmo, porque não está em um único lugar.
Memória fraca e saúde boa, esse é o segredo da felicidade.

Deixa a vida fluir.