Desata

A folha em branco me perturba.

Preciso te dizer tanta coisa, mas acabo engasgando nesse teu silêncio.

Então que fique assim, sussurrado de leve na curva do ombro esquerdo. Palavra vazia em voz alta, sem nó. Do quanto sempre foi e sempre será.

Você. Eu. Nós.

Cheio de nada

Ando cansada da contemporaneidade.  Sinto uma sobrecarga de emoções que não acontecia antigamente. Vejo enxurradas de informação irrelevante, ódio gratuito e agressão por todos os meus lados. As notícias há tempos não me comovem, e quando me comovem o fazem de maneira esdrúxula e sem compaixão. Me sinto permissivamente estuprada por uma sociedade dia após dia, em todos os sentidos.

Eu me permito emaranhar em um nó de informação abusiva e fútil que não me acrescenta nada, apenas vazios. E por mais que tente sair, não dá: este nó me engole por todos os lados. As relações humanas, que tanto prezo, de humanas não têm mais nada. São apenas interações tecnológicas cuspindo verborragia. Diariamente me pergunto por onde andam os corações das pessoas e a resposta que sempre me vem à cabeça é que estão delicadamente sendo triturados por sensações manipuladas.

Quando foi que me permiti abrir as pernas para um mundo que não me preenche e não me acrescenta? Quando foi necessário descobrir a opinião de todos sobre tudo?

Tenho uma sensação dúbia sobre esse fenômeno de interação tecnológica. Ao mesmo tempo em que desafia a humanidade a pensar, dialogar e discutir, abre espaço para todo um lixo cibernético e uma alienação sem fim. Por onde anda a empatia do mundo? 

Sinto falta de conhecer as pessoas aos poucos, de saber o que gostam de fazer antes de conhecer sua opinião política. Sinto falta de longos papos filosóficos onde o importante não era ter razão, mas apenas criar possíveis hipóteses – juntos. Sinto falta de não saber o que você pensa a respeito de nada, além do seu amor por Hemingway e sua habilidade infalivel de me fazer rir. 

Sinto falta das tardes longas fazendo bolo com a minha avó. De olhar o teto do quarto enquanto pensava na vida, deitada na cama. Sinto falta de sair para encontrar alguém que me conte sobre a sua vida. De olhar para o céu durante o dia. Sinto falta de ver os olhos das pessoas quando se emocionam, os sorrisos tortos de bom dia, sinto falta da conversa tola sobre astronomia na mesa da padaria. Sinto uma saudade quase irremediável de me encantar com as pessoas.

Fui robotizada por uma sociedade em transe. Vocês gritam muito alto e eu preciso de silêncios. Vocês andam em círculos e eu preciso de caminhos. Estou completamente farta de um nada. Estou cheia de vazios. E cada vez mais transbordo assuntos superficiais, me concentro menos no que faço e não passo da terceira página de um livro. Só me restam a empatia, a compaixão e a vontade cada vez maior de voltar a ser humana. 

O casamento, como ele é

Hoje faz oito anos que pensei, meu Deus, quando eu entrar neste carro de novo estarei casada. Uma vida inteira passou pela minha cabeça naquele momento em que minha mãe dirigia pela Faria Lima até chegar ao cartório. Nós dois no banco de trás, prontos para mudarmos tudo o que conhecíamos. Foram longos quatro anos de namoro à distância e uma burocracia sem fim para chegarmos àquele 3 de Março. Como é complicado casar com estrangeiro. Foi tão demorado que ironizamos no mesmo dia que jamais nos separarmos, já que a burocracia provavelmente seria a mesma. 

Aquele 3 de Março teve o céu mais azul e o sol mais morno dos meus dias. A sombra das figueiras do jardim do Museu da Casa Brasileira guardaram meus melhores abraços, votos de felicidade e brindes. 

Teve eclipse da lua à noite e nos debruçamos na janela do hotel para apreciá-lo, pedimos sanduíche com champagne e assistimos ao filme do Superman na TV. Deitamos naquela enorme cama sem saber o que viria pela frente, bêbados e cansados, projetamos um futuro perfeito. 

Mal sabia eu que ali começaria uma nova era da minha vida, uma mudança de país inacreditavelmente mais difícil do que eu idealizava, uma reviravolta de carreira conquistada com muita luta, orgulho engolido à seco, noites mal dormidas e uma vida que hoje, apenas hoje, começa a dar algum fruto. Eu vesti uniformes, descobri uma veia de vendedora em mim que desconhecia, trabalhei anos em pé rodando os turnos mais loucos para ganhar cinco libras por hora. Eu varri chãos, arrumei prateleiras, eu limpei vitrines, imprimi notas fiscais, entreguei milhares de chaves de quartos, aprendi a dobrar calcinhas e sutiã profissionalmente, estudei sobre cafés, chás e claridade de diamantes. Eu fiz tudo o que era possível para um imigrante recém chegado em um país com uma grave recessão econômica. E deste passado eu não tenho a menor vergonha, afinal de contas, ele me tornou um ser humano muito melhor e desenvolveu habilidades em mim que eu nem sabia que existiam. Hoje tenho uma carreira em ascenção e duas das maiores multinacionais do mundo na bagagem.

Engana-se quem pensa que casar resolve. Não resolve nada, muito pelo contrário. Casamento testa todos os seus limites. Casamento não ameniza, ele expõe. Casamento não assegura, ele desafia.

É preciso engolir muito sapo para ficar casado muito tempo, dizia minha avó. Ninguém vive só de amor e de cabana, também dizia ela. E, meu Deus, como ela tinha razão. 

Aprendi muito nesses oito anos. Aprendi a ser mais paciente e não esperar que as pessoas tenham as mesmas atitudes que eu teria. Aprendi a respeitar a individualidade de cada um, ainda que sejamos um único núcleo. Aprendi que nem todos os nossos sonhos se transformam em realidade – mesmo, mas que é preciso muito trabalho para se chegar ao menos um pouco perto deles. Aprendi a dar valor ao tempo e esperar que a vida flua no seu ritmo, tem horas em que não adianta espernear, a vida não vai acontecer como você quer. Aprendi que família construída é o que a gente quiser que ela seja, um monte de bichos, por exemplo. Aprendi que crises financeiras podem destruir todos os laços, que todas as crises podem ficar ainda piores e que nem sempre estou no controle de tudo. E que tudo bem se eu não der conta de tudo, se o fardo for pesado demais. 

Mas, acima de tudo, durante esses oito anos eu descobri o amor de verdade. Que é tão diferente da paixão que faz as pernas tremerem e o estômago gelar. O amor é essa paz morna dentro do peito. É a certeza de que alguém estará contigo, no matter what. É ter quem te cuide como a sua mãe te cuidava. É ter quem se importe como só família se importa. É ter quem te mime como os seus avós o fizeram. É torcer por todos os seus projetos como só teus melhores amigos torcem. É ter um pouco de todo mundo com você sempre.

O amor é o que eu vi quando você não saiu do meu lado um minuto durante as piores crises da minha doença crônica. Amor é o que você fez por mim quando fiquei semanas sem conseguir andar. Quando você decidiu ficar comigo mesmo sabendo que eu corria o risco de perder os ovários aos 24 anos. Amor é a sua mão na minha durante todos esses anos de diagnósticos.

Amor é quando você me pega no centro à pé pra me acompanhar pra casa, só para eu não andar sozinha à noite. Quando me cobre quando estou com frio. É aquele dia em que eu saí pra trabalhar, começou a chover e você veio de bicicleta me encontrar pra trazer meu guarda-chuva. 

Amor é chegar em casa e te ver todo sujo de molho de tomate, lendo Jamie Oliver só porque eu contei que os maridos das minhas amigas sabiam cozinhar. Amor é cada abraço que você me dá quando eu choro na consulta médica. É cada “vai ficar tudo bem, não fica triste”. Amor é cada palavra de incentivo e orgulho por tudo o que eu faço. 

Foram oito anos de altos e baixos mas somente o amor é que faz os baixos valerem a pena. Não somos perfeitos, aliás estamos bem longe disso. Só nós sabemos quantas vezes pensamos em desistir, quantas vezes nos perguntamos se ainda valia a pena. E sempre tem algo para nos empurrar para frente. Se em 2007 foi um eclipse lunar, em 2012 foi uma chuva de meteoros. E aqui estamos: superamos a crise dos sete e vamos nos fortalecendo cada dia mais, juntos. 

Meu melhor amigo, minha melhor companhia, meu maior amor, me dê a mão pois temos nossa maior decisão pra tomar a partir de agora. E ela é linda, cheia de pedaços brutos a serem lapidados, como somos nós. E que sejamos imensamente felizes enquanto for para sempre.

Receita para um 2015 mais feliz

Mude seus hábitos ruins. Um por um. Pense positivo. Faça o bem. Seja bom. Seja grato. Diminua o passo, a humanidade anda se movendo rápido demais. Pare para contemplar. Arrume tempo para investir em você mesmo, nunca se esqueça de você. Aprecie tudo e todos que estão contigo. Entenda que tudo tem um fim, a vida é cíclica. Faça um elogio, sorria para um desconhecido, diga algo bonito. Faça amigos. Seja gentil. Retribua gentileza. Pense no que você pode fazer para melhorar o mundo. Todo-santo-dia.

Feliz 2015!

Adeus, Manoelito

Passa assim, devagarinho
Feito avião de papel
Chove um choro dolorido
Entardece em risos lá do céu
A vida é finda, poetinha
A palavra é imortal, o legado é sagrado
Que fiquem tristes nossos vazios – “maiores, e até infinitos”
Que seja eterno o nosso obrigado.

Adeus, querido Manoelito
Já não há forma alguma que te prenda aqui
Transborda-te em prosa, renasça em poesia
Voa alto, colorido, (fora das) asas de um colibri.

manoelito * Simplória homenagem ao meu poeta preferido que nos deixou hoje. Adeus, Manoel de Barros. O corpo acaba, a tua poesia permanece. ❤

Inexplicação

Eu já deixei de tentar entender. Já passei da fase em que repensava todos os nossos passos e analisava meticulosamente teus sentimentos por mim. Sabe, sempre fui muito de ponderar gostos e desgostos, apreço e desprezo. Sempre preferi analisar riscos e arcar com as consequências dos meus atos e, meu bem, meu coração sempre foi de vidro, embora bem vagabundo.
Não sei há quantos anos você está na minha vida; posso até parar alguns segundos para contá-los dedo a dedo, mas prefiro acreditar que desde sempre. Não entendo o motivo, não entendo tudo isso que nos une, mesmo quando estamos separados, mas não faço questão de entender. Foram anos sem contato e ainda assim – eu sei, você sabe – o pensamento ia e voltava. E quando você volta, eu sou pura inexplicação (inventei esta palavra para nos explicar).
A tua presença me faz bem, ainda que tua ausência tenha me rasgado o estômago e esmagado minhas entranhas com as mãos. Ainda que sua falta de amor tenha sido tão desertora comigo – mas o que não foi esta fase, senão apenas um aprendizado de nós dois, a exposição das nossas partes mais frágeis para que ainda continuássemos juntos? Tua presença me faz bem, isso basta. E sei que te faz bem também.
Estou feliz que tenha voltado. Que tenhamos entendido os desentendidos, embora ainda não faça a menor ideia de que lugar você ocupa em mim. Você é o meu melhor e o meu pior, você traz à tona todas as minhas facetas. Mas a diferença entre todos os outros é que nos piores momentos da minha vida, você sempre esteve ao meu lado. Segurando a minha mão e me lembrando que eu não sou esse poço de escuridão. Que minhas fases não me definem. E se isso não for amor eu juro que não sei mais o que é.

Brasil e a epidemia vira-lata

Brasil e sua eterna síndrome de vira-lata. Se acha patriota quem odeia o país e não curte futebol. Se acha patriota quem curte futebol, mas quer morar nos “States”. Se acha patriota quem grita alto o hino nacional com a mão no peito e vaia o hino alheio, quem queima bandeira, quem destrói patrimônio público pedindo por melhor infraestrutura.
Reclama que tudo está errado no país mas sonega impostos, emite nota fria, desrespeita o próximo, fura fila, dá um jeitinho e não sabe o significado de cidadania ou civilidade. Acha que tudo é mais bonito em qualquer outro lugar do mundo porque é incapaz de ter discernimento. É incapaz de contestar suas ideologias, seu posicionamento político e social, é incapaz de analisar fatos sem deixar de lado o orgulhinho ferido.
Tudo vira discussão ofensiva no Brasil, a não ser que concordem com a sua opinião – quem concorda é brother, quem discorda é burro, meu deus, como pode ser tão burro.
O Brasil sofre de uma epidemia vira-lata, síndrome “manda-chuva”: gato de rua que se acha esperto, que é melhor e mais inteligente que qualquer brasileiro, mas que se curva por qualquer coisa gringa. Tudo é melhor quando se cruza a fronteira. Porque o Brasil que não é igual ao meu umbigo é uma bela bosta e todo Brasileiro é um baita de um idiota burro se não for exatamente moldado à minha imagem e semelhança nórdica.

Ilusão é um veneno saboreado aos poucos

Ilusão é um veneno saboreado aos poucos. Insípido, amarga a boca apenas quando engolido aos grandes goles. Mas quem se ilude, geralmente se ilude em gotas.
O iludido é um colecionador – de frases soltas, de clichês baratos, de memórias e cenários inventados. Não perde um caco de provável sentimento alheio derramado ao chão e, a cada caco, concebe um valor que ele mesmo criou. A cada caco, uma gota do próprio veneno. 
Ilusões são enganosas, profundas e doem toda a dor do mundo. E até mesmo a ilusão mais antiga, quando volta, coça feito cicatriz velha. As gotas de ilusão não doem enquanto não existir clareza, mas quando se abre os olhos, elas cegam. É o grande gole amargo. 
Quiçá um dia o iludido aprenda que ilusão nada mais é do que expectativa e que todo sentimento não correspondido é uma facada no meio das costelas. E que consiga sempre viver de olhos abertos, longe das gotas que amortecem a língua e o cérebro. Que proteja sempre seu coração dos sorrisos mal intencionados mas que nunca o feche demais para os que lhe querem bem.