Por favor, não volta

Eu já te pedi uma vez, não, não volta. Não coloque sobre mim seus clichês, sua meia dúzia de frases elaboradas há tanto tempo para essa ocasião. Quantas vezes ensaiei o que dizer, construí roteiros no meu travesseiro, porque o que eu queria que dissesse nunca foi dito pelos teus lábios e eu não sei mais se confio na linguagem dos olhos. Então não venha agora me pedir pra ficar, pra voltar, pra ser, pra não esquecer os golpes no estômago que sufocaram meus melhores sentimentos. Não derrame em mim toda a frustração dos seus quase amores e não, por favor, não descubra agora que sempre fui eu. Porque a gente sempre soube, a gente sempre sabe e, ainda assim, você preferiu esfaquear com muito zelo cada ferida aberta em mim.
Que te quero muito bem, mas seu coração é perigoso.
Fique onde está. É bonito assim, olhar de longe, quando a dor virou saudade, a mágoa, entendimento, quando o amor virou carinho. Deixe assim, encostando levemente a cabeça no ombro oco do meu coração; me deixa dormir nesse pesadelo compreendido que durou a brevidade de um amor pra sempre. Me deixa aqui para que continue amando o que era, o que fomos, pois já não sei se amaria o que está. Então, não volta, por favor, não volta, mas segura a minha mão e não me deixa escapar nunca mais.

Dreams

Às vezes mudo meu dia para pegar caminhos antigos.
Desci do ônibus trinta minutos antes do ponto de sempre, parei em Cemetery Junction (o mesmo do filme do Ricky Gervais). Boa parte da minha vida em Reading foi em volta deste lugar.
De um lado do Cemetery Junction fica o Palmer Park. Quantas vezes saí de casa pra correr nele, para tirar fotos ou para pensar na vida, que naquela época era tão difícil. Do outro lado, a London Road, a rua em que morei por três anos.
Decidi caminhar pela London Road. Às vezes é quase essencial sentir os cheiros e ouvir os passos de um passado não tão distante. A cada inspiração, uma lembrança. Foram momentos tão intensos, pouca gente sabe tudo o que vivi aqui. Quantos pensamentos cruzaram esta rua, sempre cheia de folhas amarelas no chão, quantas frustrações, desejos, anseios. As músicas que tocavam no ipod naquela época percorrem meu corpo mentalmente, como pequenas trilhas sonoras. É como voltar à uma gaveta fechada.
Cruzo a Alexandra Road, rua que seguia para a academia. Paro por um minuto e a olho subindo em um turbilhão de pensamentos antigos, pessoas, situações, sensações.
Ao chegar perto do meu prédio tentei reviver o caminho da entrada dentro de mim, o código do portão eletrônico. Se eu fechasse um pouco os olhos, conseguiria ver minha bicicleta no jardim. Engraçado como às vezes a gente se esquece das lembranças ruins e apenas as boas permanecem. Eu tenho uma Pollyanna em mim que nunca se dissolve: apenas o bom e o bonito de tudo ficaram comigo.
Eu sei que eu deixei alguma coisa naquele flat, talvez um pouco da minha ingenuidade, talvez um tanto da minha fé no ser humano, talvez um enorme fardo de medos que nunca imaginei ter antes. Mas descobri inúmeras coisas sobre mim mesma também. Sobre toda a minha força e o meu amor.
Cruzei a esquina da St. Andrew´s Church, igreja que eu apenas frequentava para doar sangue, e vi o parque George V à direita. O Parque George V também é conhecido como Eldon Square, uma pequena praça quadrada com uma estátua no meio, canteiros de flores e bancos nos quatro cantos. Atravessei a rua porque precisava resgatar algumas coisas que deixei por lá. Na Eldon Square eu deixei o Benjamin, meu primeiro boneco de neve. E, com ele, talvez tenha encontrado uma certeza de que meus anos neste lado do mundo não seriam poucos.
Algumas fotografias passaram em frames pelos meus olhos na Eldon Square. Primaveras, verões, outonos e os invernos mais gelados. Um dia sentei em um dos seus bancos ouvindo The Cranberries, em uma fase decisiva da minha vida. Havia guardado todos os meus pertences em um depósito e não sabia se voltaria à Inglaterra. All my life is changing everyday in every possible way. Eu já tinha me sentido assim antes. I know I’ve felt like this before, but now I’m feeling it even more. 

Eu sou saudosista porque talvez, de alguma forma, eu precise constantemente me compreender. Voltar aos caminhos antigos nada mais é do que resgatar pedaços de mim que construíram o que eu sou hoje. Ser saudosista talvez seja apenas um jeito de me olhar por dentro, entender o que sou agora e construir o que tenho sido.

E a minha vida e eu, nós somos essa eterna e adorável metamorfose.

And then I open up and see the person falling here is me, a different way to be.

O fim é apenas um recomeço

Você precisa encarar tuas crises por todos os lados. É fundamental entender que levar a porrada certa é parte do processo. Voltar atrás é fugir, e isso não condiz contigo.
Eu sei que a vida te esfriou, tirou muito de ti, exigiu uma força surreal das tuas emoções, da tua saúde, mas olha só – você arcou com as consequências como gente grande. Honrou todas as tuas escolhas e nunca desviou. Lembra: desviar é renegar tua própria evolução humana, é muito fácil e a maioria das pessoas faz isso. Mas você é dessas pessoas que não têm medo de errar, de cair. Você busca teus pontos fracos para construir a si mesmo, porque adora sentir que você é uma constante mudança. Aprendeu em biografias de gente incrível que crises são essenciais; a tempestade não dá lugar à bonança, ela dá lugar a ti mesmo, cru, vulnerável, exposto. Toda crise é uma oportunidade de se conhecer e se fazer melhor. E você o faz com a dignidade de uma criança amedrontada que encara monstros para que o medo vá embora. Medo não é real, menino, medo é apenas expectativa.
Quando uma estrada se afunila, não é preciso procurar uma saída. A gente tem uma mania muito pessimista de se obrigar a encontrar saída e tomar decisões quando as coisas chegam a um ponto crítico. Você só precisa sair da fortaleza, tirar a armadura de ferro e deixar a crise vir. A vida é uma constante renovação, o fim da estrada sempre acaba se afunilando em um milhão de atalhos.

Falta

Às vezes ela queria voltar atrás, quem sabe, aquela mesa de bar. O toque na mão direita com o polegar que parava o mundo em volta. Os olhos silenciosos que diziam tanta coisa, as risadas óbvias de quem era feliz. O frio no estômago, a primeira vista, o primeiro abraço. O calor do corpo que explodia em um desejo mútuo de largar tudo e deixar acontecer. A pergunta sussurrada no ouvido “você está feliz?”.
Ela está sentada sozinha na mesma mesa onde se conheceram. Já se passaram dois anos. Ela rodeia a borda do copo de cerveja com os dedos de uma maneira que qualquer um pode sentir sua saudade. Os olhos são de quem viveu histórias e nunca esqueceu. Ah, se pudesse voltar e consertar os erros, as lacunas. Se pudesse ter se controlado um pouco mais e não se envolvido tanto.
Deu um gole na cerveja, olhou para o lado, vazio, como se esperasse alguém chegar. Ninguém chegava. Encontra seus sorrisos em outros lábios, seu olhar em outros rostos, encontra datas em outras ocasiões e lugares que fizeram parte de sonhos mútuos. A falta é um peso vazio e árduo que ela arrasta todos os dias. Vai passar, vai passar. Na verdade, tudo passou. Mas vez ou outra, no meio da multidão, ele ainda sorri a cada vez que ela pisca os olhos.

Ela já aprendeu que existem amores que não passam. Sabe que nada é melhor do que o que sobrou hoje. Ela é feliz, mas falta. Só queria que soubesse dessa falta e que, de alguma forma, trouxesse um sorriso de volta.

Distância

Descobri que enfrentar o que nos incomoda às vezes não passa de mimo. O que irrita grita, o eco ensurdece e confunde. O que precisamos hora ou outra é nos retirar e deixar que o que incomoda ecoe sozinho, mal alimentado por um ego inflado de hábitos. Um dia o som abafa, um dia a gente esquece, um dia o silencio chega.

Hora de se afastar de gente pequena, de assuntos superficiais, de coisas que não acrescentam. Sim, é um pouco egoísta, mas ser egoísta de vez em quando é essencial para a saúde.

E que, dentro desse eco, apenas os sons afinados permaneçam em mim.

Sobre este momento

Sobre este momento, um fim.

O definitivo finalmente chega.

Pedra.

Aqui jaz você. Nós dois.

O que existe de você hoje, eu já não faço a menor questão.

Silêncio.

Eterno.

Sobre este momento, fim, pedra, silêncio.

 

Gosto de gente

Eu gosto de gente livre, mas livre mesmo, não essa gente que se apega à um conceito pré-criado de liberdade. Gosto de gente que pertence ao mundo, de alma, de corpo, de coração. Eu prezo às pessoas que se apegam um pouco, sim, costumo achar o total desapego uma leve desculpa para não se comprometer com nada. Que exista o compromisso, mas com a gente mesmo: com os nossos sentimentos, os nossos valores, as nossas vontades.
Gosto de gente que tem vontade e diz o que é. Que não tem medo de pegar na mão e olhar nos olhos, gosto de gente que não tem medo de dizer o que sente, quando o que se sente é apenas o que se tem. Gosto de gente que não foge de abraço, que fecha os olhos, que se entrega. Gente que não tem nojo de sexo, de cheiro, de saliva e de suor. Gente disposta.
Gosto de gente que se interessa; por cultura, por música, por qualquer forma de arte que eleve o ser humano. Gosto de gente culta. Não precisa ter lido James Joyce, mas me intrigam as pessoas que se permitem ir um pouco além do que é direcionado à massa.
Gosto das pessoas que saem pelas beiradas, gente que contesta, que nunca aceita tudo da forma em que lhe é cuspida, gente que olha pra fora da sua própria bolha. Gente que pensa. Que idealiza. Que busca.
Gosto de gente que vai atrás do quer, seja lá o que for esse querer. Gosto de gente que se valoriza e, por isso mesmo, se permite ir. E vir. E voltar. E ir de novo. Gente que entende que a vida não passa de uma porção de experiências, e que experiências precisam ser naturalmente experimentadas.
Pessoas de mente e corações abertos. Nômades de alma. Que gostam de fincar o pé em um pedaço de terra, mas não têm medo de outros chãos. Gente que se pertence sob qualquer céu. Que se adapta. Que enxerga mudanças como oportunidades e as usa para crescimento próprio. Gosto de gente que foca em crescimento pessoal muito acima do profissional.
Gente que não se menospreza, não se desvaloriza. Gente que sabe o quanto custou para ser quem se é hoje e não se entrega tão fácil. Gente que não tem medo de parecer frágil, exatamente por saber sua própria força; gente que se testa. Que vai além dos seus limites. Que está sempre tentando algo novo. Gente que não se acomoda.
Gosto de gente que valoriza o que tem, que não tem auto piedade e nem se faz de vítima, porque não tem tempo pra isso. Gosto de pessoas que entendem os outros com suas bagagens emocionais e físicas, com suas feridas e cicatrizes. E que se entendem.
Gosto de pessoas que não têm medo da vida, do futuro, que usam o passado como alavanca. Gente interessada em um bem comum: o bem, apenas. Gente que se comove e tem compaixão, mas não precisa mostrar que é altruísta, porque o exibicionismo anula o altruísmo.
Gente que divide. Que compartilha experiências. Que conta histórias. Gente que têm as histórias mais interessantes, porque vive. E, se bobear, vive em vários lugares.
Gente que ama, que cuida, que preserva, que aprende, que defende, que contesta, que briga, que fala, que grita, que cai (inúmeras vezes), que compreende, que não tem medo, que questiona, que chora, que diz, que sussurra, que gargalha, que sabe, que procura, que pesquisa, que releva, que revela. Gosto de gente que se faz sozinha. Gente que se reinventa. Gente que não tem medo de mudar o mundo. Gente que não tem medo de mudar a si mesmo.

1250 dias de Ivy

Mil duzentos e cinquenta dias. Eu poderia ter construído uma vida. Eu poderia ter construído uma terceira vida entre nós dois. Mas tudo o que cresceu em mim foi você.
Como hera em tijolo, você foi cravando as unhas em mim tão delicadamente que eu quase não percebi. E você era linda e cresceu de um jeito tão incontrolável, que tudo o que eu podia ver era essa sua imensidão, esse seu abismo por dentro; foi como me envolver com um buraco negro, Ivy.
Eu nunca imaginei que 1250 dias seriam uma parte tão grande de mim. Eu sempre te disse; foi no nosso oi que eu soube que tudo isso nunca daria certo. Mas eu não tive coragem de te podar, de arrancar teus pequenos caules que começavam a me enrolar pelas pernas, eu não tive coragem porque você me fazia um bem tão grande, Ivy.
Você cresceu em mim de um jeito inesperado, eu achei que se podasse apenas um pouco por vez talvez poderia te controlar, mas você perdeu o controle, Ivy, nós dois perdemos o controle e, quando me dei conta, você já havia dominado meu corpo e experimentado meus delírios, e já chegava ao meu pescoço, eu comecei a perder o ar, e você me olhava com o maior brilho que eu já tinha visto em uma hera e por alguns meses eu jurei que você era todo esse brilho, toda essa imensidão que já quase me sufocava, e me apertava em beijos que perturbam meus sonhos, Ivy, e segurava o meu rosto e me dizia meia dúzia de coisas dúbias, e eu já não conseguia enxergar um palmo à minha frente, porque a um palmo de mim era apenas você. Você e seu buraco negro de problemas emocionais, de desvios de personalidade, de manias e manias de encontrar todos os defeitos em mim porque eu nunca, eu nunca pude ser perfeito para você. Você procurava e rodeava meus defeitos mais insignificantes para se proteger de mim; ainda que fosse sua presa, eu era perigo constante para esse seu coração frágil. E você me disse que eu seria feliz com qualquer escolha que eu fizesse, ainda que eu não tivesse escolhas com todas as suas garras presas.
Me deixou ir, Ivy. Depois aos poucos foi apodrecendo caule por caule e eu ainda sinto a dor de cada pedaço arrancando carne viva em mim, porque você não faz ideia, mas dói pra caralho ter hera arrancada.
Quatrocentos e quarenta dias com pedaços de hera sendo constantemente arrancados de mim. Dia a dia. 440 dias e eu ainda sinto falta da escuridão do teu abismo, da falta de controle, da força de deixar crescer algo inexplicável que te consuma. Ivy. Eu arranco sozinho teus pequenos caules apodrecidos, você me mantém distante o suficiente para que eu duvide de todo o teu brilho. De toda a imensidão que um dia acreditei. Ivy, pra mim você não passa de erva daninha. Que causa dano em tudo o que toca. E eu só queria acreditar que não.
440 dias e você continua me rodeando os dedos do pé e eu não entendo. O que te mantém é inexplicável, e eu bem queria que fosse explicável em mim. Porque em mil duzentos e cinquenta dias, Ivy, não teve um único dia que eu não tenha pensado em você. E tem algo que ainda te prende, eu sinto, eu vejo nesses caules novos rodeando meus pés toda hora: ainda tem algo que você se nega. E quanto mais nega, Ivy, mais me mostra que, na verdade, fui eu quem mais cresceu em você.