Quando você emudeceu e arrastou tuas malas pela porta. Eu morri um pouco com a eletricidade do choque ao descobrir que era o fim. Eu morri um pouco quando eu saí daquele banho. Quando li tuas cartas antigas. Quando fui dormir em uma cama cheia de lágrimas, onde antes dormiam nossos sonhos. Eu morri um pouco no beijo de despedida não dado, no último abraço, na falta de cuidado. Eu morri um pouco a cada tapa de realidade nos amanheceres quase insuportáveis. No café azedo. Nas coisas que você gosta de comer e ainda estão na geladeira. Eu morri um pouco no silêncio das noites vazias, na ausência da tua voz, na série não terminada, nas músicas que ouvíamos. Eu morri um pouco nos planos para o fim de semana que nunca acontecerão. No show que iríamos semana que vem. Eu morri um pouco no colo de desconhecidos que enxugavam lágrimas no teu lugar. No frio dos meus sonhos desmoronados como um castelo de areia pisado. Eu morri um pouco na dúvida, na falta de explicações, no amor questionado. Eu morri enquanto caminhava pela rua naquele domingo, arrastando os passos moídos sem rumo, o choro descontrolado, o desespero. Eu morro todos os dias no desespero. Eu morri um pouco nos teus nãos, que eram tão cheios de sim. Na falta de perspectiva, no futuro estragado, na incerteza do amanhã. Eu morri um pouco nos porta-retratos, no cheiro cravado no travesseiro, nos teus programas de TV, nas tuas pequenas manias ausentes. Eu morri um pouco no teu passo apressado, na tua quietude, no frio de uma década que congela o meu peito. Eu tinha poucas certezas, e elas bastavam. Hoje resta essa tristeza ardida diluída nos chãos de casa. Eu só queria ter parado o mundo naquele instante que antecede.