Purgatório

Fazia frio, sacudi as cortinas pesadas e abri a janela porque eu precisava de ar, eu precisava respirar. Eu precisava expirar você. Acendi um cigarro, eu nem fumo, mas havia essa necessidade de expurgar, de mudar, traguei toda a nicotina com gosto e você se misturava ao sabor da saliva velha, do beijo vencido, do café amargo na tua casa, o whisky de ontem à noite, deus, eu precisava não sentir mais nada.
Um casal feliz passou pela minha rua e eu os observei ainda tragando você, são 23h40, talvez eles tenham acabado de trocar fluídos, desejos, promessas, talvez eles se afoguem nessa ilusão imbecil de que todo amor dura, não dura, nada permanece, senão essa constante solidão, essa falta de sabe-se-lá-o-que, esse insaciável vazio no peito.
Você me machuca. Talvez tudo o que eu tenha feito ultimamente tenha sido tentar resgatar o quanto você me fazia bem – pura tolice minha. Há meses você não me faz um elogio sequer. Há meses você rodeia quando te pergunto o que sente. Logo você, que me fazia sentir a mulher mais incrível do mundo. Contigo eu sinto tudo, menos eu mesma. Você me fazia sentir especial e eu gostava daquilo, a gente tinha o pacote completo: uma paixão avassaladora, amor, tesão, risadas, conversas inteligentes, uma química que eu acho que nunca mais senti igual. Você me fazia tão bem e talvez eu ainda esteja agarrada nisso.
Eu afogo minhas noites em um monte de porquês. O que é isso, afinal, amor ou ilusão? Que necessidade é essa que me prende em você? Ontem foi o nosso último adeus, baby. Eu sei que eu já disse isso milhões de vezes antes, mas eu preciso tocar esse barco, entende? Eu preciso não permitir que você tire o meu brilho. Eu preciso não perder o equilíbrio com o seu desamor. – Última vez, chega! sussurrei para mim mesma. Já bebi demais desse veneno. Relações de mão única não duram.
Teu cheiro ainda corre o meu corpo, eu dou a última tragada em um cigarro que não me fez nada. Preciso de curas mais fortes, um whisky, um banho quente, quem sabe. Preciso de músicas que me doam todos os meus pedaços. Meu corpo dói, meu coração arde, cansei de porrada. Mais uma vez você escolhe sozinho e me obriga a matar o que eu sinto, e eu juro, essa será a última.

Preciso expurgar você.

2 comentários sobre “Purgatório

  1. Brandt (@Herr_Brandt) disse:

    “Amor” nunca deve fazer parte do “pacote”.
    Relações só possuem sentido com um prazo de validade determinado.
    Não é ilusão, é realidade, e a ideia de amor não sobrevive à realidade.
    A forma como você se sente é responsabilidade única e intransferivelmente sua.
    Na música, Anathema e Katatonia sempre ajudam… a piorar tudo lindamente.

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