A verdade era só uma: queria ser parte presente e significante em sua vida. E ela metia os pés pelas mãos em tentativas frustradas e doloridas de continuar. Apenas continuar o que nunca foi. Ou o que foi, talvez apenas para ela. Ou o que foi para os dois, deixa dessa imaturidade adolescente e aprende a enxergar que nem tudo é como você quer. Coração mimado. Quer, quer, quer. Se não tem, chora. Coração de merda.
Expectativa demais dá nisso, pensava ela. Não tinha nada além de um amor impossível e lindo, ah que amor bonito esse inatingível, inalcançável, que amor bonito esse escondido debaixo de cobertas requentadas. Porcaria de amor que dói, esse que não se pode ter. Mas era amor, não era? Foi amor um dia? Ou foi carinho disfarçado pra te levar pra cama, sua besta. Sexo não, não podia ser só sexo, embora o sexo fosse incrível.
Tentava desesperadamente manter com gozo as lágrimas de um amor não correspondido. Todas as noites, apenas quando ele queria. Era o preço do amor errado. Burra, burra, caiu que nem um patinho nessa lábia mais antiga da humanidade. Justo ela, sempre tão espertinha.
Ah, que te amava tanto, sabia? De dar nó no coração antes de dormir, quando te desejava boa noite quietinha dentro da cabeça. Boa noite, meu menino. Dorme bem. Fica bem. Seja feliz. Mas seja feliz comigo, não me venha com essa putaria de ser feliz com outra pessoa. Mentira, não pensa assim, menina má. Seja feliz com quem quiser, com quem tenha esse poder lindo de te fazer bem. Talvez eu não mais o tenha. E sonha comigo, um dia, qualquer, randômico, como aqueles antigos. Presença de Anita.
Te amava muito, ou talvez nem soubesse o que era amor. Ou apego. Ou insegurança. Ou ego. Ou dor. Ou calor. Que porcaria de sentimento é esse, sentimento lindo de unhas afiadas? Me deita no seu ombro esquerdo. Acaricia a minha mão sem dizer nada e me sorri um silêncio macio. Um beijo daqueles na mão era só o que precisava agora. E aqueles nos joelhos e na parte de trás das coxas.
Vem aqui, vai. Ou me deixa te esquecer pra sempre, sem que se esqueça de me amar.
Mês: dezembro 2011
Tinha um amor pela metade
A menina tinha uma alegria imensa, intrínseca, dessas que dão inveja aos que acordam errado. Não lhe importava absolutamente nada, desde que o dia amanhecesse, mas era especialmente feliz nos dias de céu azul e bolo de chocolate.
Tinha um sorriso infantil, genuíno, desses que se espalham molhados pela cara toda. Ah, como era bonito de ver a menina sorrindo, cantando, assobiando por onde passava, balançando a barra do vestido com uma ingenuidade de cinco anos.
Até que um dia a menina feliz se apaixonou. E ele era complicado demais para esse autismo alegre dela. Seu coração doía dores que jamais havia cogitado experimentar, mas que cuidadosamente escondia atrás dos dentes.
E eu a observava de longe, no bar com um punhado de amigos, escondendo em sorrisos o que os olhos e o coração diziam. Ela tinha um amor pela metade. E até quando aguentaria alimentar o inteiro com metades? Que amava demais o que o meio não preenchia. E ainda que seus amigos falassem alto, gargalhassem, bebessem a vida num brinde de fim de tarde, eu a via. Havia em seus olhos um mar de lágrimas contidas. Em seu sorriso, o desembocar de filamentos de águas salgadas, que só corriam à noite, quando encostava a cabeça em seu travesseiro cheio de ausência. A menina doía.
E eu queria caminhar até ela e lhe dar um abraço desconhecido, porque enxergava suas dores. Queria lhe dizer que a vida é feita de escolhas, e essas escolhas incluem pessoas. Queria lhe dizer que um dia, em alguma estrada, também tropecei no meu sorriso espalhado. Eu também amava o complicado, eu também tinha um amor pela metade.
