Adeus, Manoelito

Passa assim, devagarinho
Feito avião de papel
Chove um choro dolorido
Entardece em risos lá do céu
A vida é finda, poetinha
A palavra é imortal, o legado é sagrado
Que fiquem tristes nossos vazios – “maiores, e até infinitos”
Que seja eterno o nosso obrigado.

Adeus, querido Manoelito
Já não há forma alguma que te prenda aqui
Transborda-te em prosa, renasça em poesia
Voa alto, colorido, (fora das) asas de um colibri.

manoelito * Simplória homenagem ao meu poeta preferido que nos deixou hoje. Adeus, Manoel de Barros. O corpo acaba, a tua poesia permanece. ❤

Brasil e a epidemia vira-lata

Brasil e sua eterna síndrome de vira-lata. Se acha patriota quem odeia o país e não curte futebol. Se acha patriota quem curte futebol, mas quer morar nos “States”. Se acha patriota quem grita alto o hino nacional com a mão no peito e vaia o hino alheio, quem queima bandeira, quem destrói patrimônio público pedindo por melhor infraestrutura.
Reclama que tudo está errado no país mas sonega impostos, emite nota fria, desrespeita o próximo, fura fila, dá um jeitinho e não sabe o significado de cidadania ou civilidade. Acha que tudo é mais bonito em qualquer outro lugar do mundo porque é incapaz de ter discernimento. É incapaz de contestar suas ideologias, seu posicionamento político e social, é incapaz de analisar fatos sem deixar de lado o orgulhinho ferido.
Tudo vira discussão ofensiva no Brasil, a não ser que concordem com a sua opinião – quem concorda é brother, quem discorda é burro, meu deus, como pode ser tão burro.
O Brasil sofre de uma epidemia vira-lata, síndrome “manda-chuva”: gato de rua que se acha esperto, que é melhor e mais inteligente que qualquer brasileiro, mas que se curva por qualquer coisa gringa. Tudo é melhor quando se cruza a fronteira. Porque o Brasil que não é igual ao meu umbigo é uma bela bosta e todo Brasileiro é um baita de um idiota burro se não for exatamente moldado à minha imagem e semelhança nórdica.

Ilusão é um veneno saboreado aos poucos

Ilusão é um veneno saboreado aos poucos. Insípido, amarga a boca apenas quando engolido aos grandes goles. Mas quem se ilude, geralmente se ilude em gotas.
O iludido é um colecionador – de frases soltas, de clichês baratos, de memórias e cenários inventados. Não perde um caco de provável sentimento alheio derramado ao chão e, a cada caco, concebe um valor que ele mesmo criou. A cada caco, uma gota do próprio veneno. 
Ilusões são enganosas, profundas e doem toda a dor do mundo. E até mesmo a ilusão mais antiga, quando volta, coça feito cicatriz velha. As gotas de ilusão não doem enquanto não existir clareza, mas quando se abre os olhos, elas cegam. É o grande gole amargo. 
Quiçá um dia o iludido aprenda que ilusão nada mais é do que expectativa e que todo sentimento não correspondido é uma facada no meio das costelas. E que consiga sempre viver de olhos abertos, longe das gotas que amortecem a língua e o cérebro. Que proteja sempre seu coração dos sorrisos mal intencionados mas que nunca o feche demais para os que lhe querem bem.

A menina

Algo claramente estava fora de lugar. Algumas gavetas reviradas, um vazio que não preenchia nunca, uma sucessão de acontecimentos errados. Por onde andava aquela menina que tecia tantos sonhos e que depositava sua crença mais profunda no coração dos outros?
Sentia falta de não sentir os ombros, de ter sorrisos largos, não suportava essa estranha sensação de que algo lhe pesa na própria face: guardava a vida inteira em volta dos olhos. Ao seu redor, um escudo defensivo protegia todas as suas paredes. Quando foi que eu mudei? – se perguntava.
As pessoas que a conheciam há tanto tempo sussurravam adjetivos que não mais combinavam com aquela armadura negra, pesada, que lhe dilacerava a pele e moía os ossos. Fardos. Ainda tentava arduamente guardar o pouco que sobrava de doçura por dentro, mas esvaía-se sem pressa pelos dedos, feito areia fina em ampulheta. A vida era tão dura, mas não precisava ser. Havia se tornado refém das próprias escolhas, talvez por conta desse vício em encarar tudo como um desafio, em superar, crescer, evoluir. Não queria nunca continuar na mesmice, embora não notasse que, agora, a armadura era o que tinha de menos efêmero. A mesmice do caos, uma bagunça constante.
E como em prece, sussurrava baixinho, seus versos preferidos de Mia Couto, com a esperança de que eles lhe trouxessem de volta. E eles lhe traziam mãos pequenas para segurar-lhe as mãos calejadas que doem constantemente. A criança lhe sorria com os olhos, aquele brilho que não conseguia mais encontrar, como se no fundo a criança soubesse que fora sempre tão teimosa e acabaria enfrentando seus próprios monstros sem receio.
Me dá a mão – dizia. E o fardo de tantas décadas cabiam inteirinhos em dedos gorduchos de uma mão tão pequenina. Passou alguns minutos fitando os furinhos que tinha entre os dedos e que sua avó tanto gostava. Vamos – disse a menina – preciso que te olhe de novo.

“É então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarou.”

 

A menina levava aos espelhos. A menina era um constante cordão que a mantinha ligada à sua essência e não permitia que afundasse em pedra.

Preciso de mais tempo para nós duas.

 

Pequeno texto sobre você – 1

Que tens os olhos ternos de uma leveza breve que nos esquecemos de dar aos dias. E é nessa ternura que recupero minhas forças todos os dias. 

Feliz novo

Todo ano novo é aquela velha história, vamos virar a página do livro e começar (ou continuar) o que deve ser começado (ou continuado).
Seria muito fácil comprimir sentimentos, dores, amores, risos, lágrimas, ganhos e perdas em um espaço tão pequeno de 365 dias, fechá-los numa caixinha e esquecê-los numa prateleira, à deus dará, criando pó. Como uma boa e velha agenda de adolescente, onde a fugacidade fica esquecida assim que a última página termina.
A verdade é que algumas memórias precisam de anos para serem guardadas nessa prateleira empoeirada. Existem risos que feriram tão forte, lágrimas que curaram tão mal que não há 31 de dezembro que amarele essas lembranças.
Mas o bom é que um dia tudo chega. O tempo, seja quão dolorido for, será sempre teu melhor amigo. E aquela foto sorrindo não doerá mais, quiçá exaltará qualquer tipo de sentimento nesse teu coração remendado. Aqueles olhos que te brilhavam o mundo não terão mais brilho algum aos seus. E assim, em qualquer ordinário dia dos 365, um dia essa leveza entra aí dentro de ti, com uma paz que chega a ser imensurável – ah, apenas os corações doídos conhecem o bem desta paz.
E o que ficou, vai, o que trouxe, leva, como um pequeno riacho de água doce, pequeno e constante, teu amor todo flui. Passou. Agora sim, cinco anos depois sente escorrer pelos nós na garganta. Leve, agora a dor é líquida. Leva.
O bom da vida é que sempre existe uma página nova a ser preenchida. Às vezes, o novo é um livro inteiro. E não existe nada melhor que fechar uma história, colocá-la naquela prateleira empoeirada e dizer, fique aí, já não me inspira mais. E com o coração sereno perceber que todas as histórias são bonitas, mas aquela que se vive hoje, esta que se escreve agora, é infinitamente melhor.

Olha pra trás e desprende-te das coisas bonitas e findas. A tua única constância é a página que está aberta.

A casa

Parada em frente às janelas trincadas,

Mãos nos bolsos, pálpebras salgadas.

A casa onde a menina viveu dois amores.

Um quebrado, outro quebrando.
Um errado, outro errando.

Jogo

A verdade é que você me diminui e eu preciso de quem me aumente. Você me enfraquece, eu quero apenas quem me fortaleça. Quando estiver disposto à aceitar meus fracassos e minhas lapidações humanas, estarei de braços abertos esperando você e seus cacos, que recolherei cuidadosamente do chão.

Mas enquanto eu for apenas um motivo para teus jogos baratos de controle e interesse, desculpa; não sei brincar de ser humano.