O dia em que eu cheguei atrasada no trabalho

Primeiro dia de primavera, céu azul, solzinho e eu fui trabalhar de bicicleta. Logo que saí na rua comecei a ver placas de que a meia-maratona de Reading estava acontecendo. Aqui perto de casa não tem muita coisa acontecendo, mas ano passado, quando eu trabalhava no hotel, me lembro de como o evento era gigantesco já que o ponto de largada e chegada era no estádio, que faz parte do mesmo complexo.
Achei que não ia pegar nada e fui pedalando, feliz, contente, morna e cacheada em direção à loja.
Assim que cheguei na rua mais próxima do shopping, vi o povo correndo, o povo gritando, o povo tirando foto. Achei fofo, desci da bicicleta pra não atropelar os espectadores e continuei à pé. Até tirei foto e liguei pro David toda empolgada.
Empurrei a bike até a esquina e vi que a meia maratona corria pela rua lateral do shopping. Através do monte de perna eu via o rack de trancar a bike lá do outro lado da rua. E agora, José? Nenhum sinal digno de que fosse haver uma brecha entre aquele mar de gente pra eu atravessar a rua. Fui até uma esquina, nada. Fui até a outra, nada. Fiquei presa.
Lembrei de uma galeria que corta caminho por dentro e poderia sair do outro lado do shopping. Larguei a bike num poste e fui tentar a galeria. Cruzei e nada, a maratona também tava lá.
Procurei atalho, caminho alternativo, balão de hélio, nada. Não havia espaço suficiente entre os corredores pra eu simplesmente atravessar. E não havia atalho.
Minha alegria e espírito esportivo já estavam indo pras cucuias. O shopping a dois metros de mim e eu não conseguia chegar nele.
Achei um guardinha desses “guarda-esquina-em-dia-especial” e perguntei:
– Moço, eu tenho que trabalhar, meu. Como é que eu chego no shopping??
– Ah, moça, a meia maratona tá toda em volta do shopping. (Isso eu já tinha sacado…) Você tem duas opções. Ou caminha uns quarenta minutos lá pela Queens Road e entra pelo outro lado da Oxford Road, ou tá vendo aquela ilhazinha no meio da rua?
– Tô.
– Vai até lá e corre com eles na diagonal.
– Oi?????
– … (achei que ele tava me zoando, ou me conhecia e sabia que isso não ia dar certo, sei lá…)
Correr com eles, cara????
Visualiza a cena: eu de calça social, camisa, sapato de salto e bolsa. Liguei pro David pra contar que, finalmente, eu correria uma maratona e não deu tempo nem de pensar e surgiu uma brecha de um metro entre um corredor e outro. Me taquei no meio e corri, cara. Corri de roupa social, sapato e celular na mão, no meio de um monte de neguinho de bermuda, regata e número na frente. Gargalhando. O povo me apontava e ria, eu ria e falava no celular e corria. E quem disse que cruzar na diagonal é fácil? O guardinha, né, que devia estar segurando um saco de pipoca enquanto acompanhava a minha astúcia.
Problema é que como era eu, óbviamente eu perdi a noção da saída mais perto e não consegui cruzar na diagonal a tempo. Ou seja, perdi a oportunidade de cruzar a meia-maratona em cinco metros. A única saída depois dessa era depois de uns cem metros. E lá fui eu, linda, morna e cacheada, cem metros maratona acima só pra chegar na porcaria do outro lado da rua. Quando cheguei na outra calçada, gritei tanto que achei que tinha até ganhado medalha. O povo ria e batia palma pra mim. Cheguei na loja meia hora atrasada, descabelada, suada e com o pé doendo. Mas nunca tinha corrido e gargalhado ao mesmo tempo. Foi impagável. E claro, se tinha que existir uma pessoa no mundo que teria que correr no meio de uma maratona só pra chegar no trabalho, quem seria, né??

8 comentários sobre “O dia em que eu cheguei atrasada no trabalho

  1. Fernanda - irmã da Cris disse:
    Avatar de Fernanda - irmã da Cris

    Linda, querida, insubstituível!!! Só você pra me fazer chorar de tanto rir!!!
    Super beijão no seu coração!!
    Vem pra Recife logo, hein?!

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