Eram duas meninas dos olhos da mesma mãe, com pouca diferença de idade, pouco mais de um ano. Uma queria morar na praia, a outra queria ser índia. Para uma criança de quatro ou cinco anos isto era sonho perfeitamente cabível a tangente.
Uma menina queria ser rica e ter um mordomo servindo limonada suíça na piscina, era só o que dizia quando perguntavam. A outra queria ser defensora da natureza e ter uma onça pintada de estimação. Elas iam para a praia todo verão, e esperavam ansiosamente por isso. Dividiam baldes, pás e castelos de areia. Cavavam buracos para chegar ao Japão sempre com medo de encontrar um japonês no meio do caminho. Mas só viam água, a água que brota na areia de baixo, como a mais velha dizia com toda a sabedoria do mundo.
Naquela época tinha bolachas do mar na areia. E as meninas tinham que pisar sobre muitas delas para brincar na água. A defensora da natureza odiava isso, achava que mataria as bolachas. A rica se divertia em pisar em bolachas, que para ela, nada mais eram do que biscoitos.
Muitas e muitas vezes elas colocavam duas cadeiras de praia dentro do mar, logo onde a água pudesse cobrir as pernas. As cadeiras afundavam na areia molhada, as ondas teimavam em derrubá-las e elas riam, ficando lá por horas a olhar o horizonte inquieto do oceano.
À tarde – elas se lembram bem, saíam pela praia para caçar corruptos para servir de isca para pescaria. Pegavam aquele apetrecho que mais parecia uma bazuca e sugavam a areia de cada buraquinho que soltasse bolha. Aí elas subiam o morro, onde o avô estava pescando, com um balde de corruptos. E ficavam por lá, espiando as baratinhas d´água subirem as pedras, procurando baleias no fim do mar, ouvindo as estórias dos pescadores que pescavam homens afogados. Como era divertido aquele monte de carro estacionado com varas de pescar!!
Elas cresceram entre tantas coisas que não dá pra nomear, dividiram absolutamente todas as memórias da vida. E aprenderam tanto uma com a outra!
Lembro bem quando elas eram pequenas e a maior já sabia rezar. A mãe pediu para ela rezar enquanto a pequena repetia, assim ela aprenderia. E aquelas noites são inesquecíveis, a maior começando e a pequena emendando, soltando palavras com um dedo na boca. E às vezes a pequena errava tudo e elas riam interminavelmente e adormeciam sem terminar a oração.
As meninas cresceram e continuaram indo para a praia, agora não mais para disputar a melhor areia molhada para se construir um castelo, mas para dividir dois gêmeos surfistas. Até isso elas dividiam civilizadamente. E depois dividiram o banco do calçadão, as amigas, as idas e voltas intermináveis entre as duas praias, os conselhos. As madrugadas infinitas no quarto escuro, conversando até o dia clarear.
Quando subiam a serra, tudo mudava, a vida real voltava a existir. E quando não iam para a praia iam para o Rio de Janeiro, dividir mais história de infância. Elas não tinham muito em comum, mas tinham uma força assustadoramente grande quando estavam juntas. A maior até enfrentou o menino mais temido da escola, devorador de criancinhas, quando ele quis teimar com a pequena. Ela deu uns golpes de karatê nele que nunca tinha aprendido na vida.
E quando ficaram maiores dividiram os carnavais de Águas de Lindóia, foi a pequena que mostrou para a maior como que era um beijo. Na verdade, a pequena sempre foi mais adiantada em tudo: ficou mocinha muito antes, desenvolveu formas, deu o primeiro beijo, teve o primeiro namorado. A maior queria um príncipe encantado, e a pequena acreditava em todos os seus sonhos. Até o dia em que a maior desistiu de esperar, e a menos continuou a apoiá-la. E mesmo assim, mesmo demorando, o príncipe da maior veio e a menor era a pessoa mais feliz no dia do casamento.
A pequena sempre fez de tudo para ajudar a maior. Em todos os momentos despertou um sorriso quando ela mais precisava. Sabe, a pequena veio de sopetão, diz a mãe. O pai e a mãe planejaram um filho por sete anos, a mãe fez tratamento e tudo. E aí nasceu a maior, que quase morreu no nascimento. E logo em seguida, quase que sem querer, veio a pequena, que com quatro meses já ficou órfã de pai. E a maior já quase morreu várias vezes, mas a irmã a salvou de alguns bocados.
Até a faculdade elas dividiram, os mesmos amigos, as mesmas festas, o mesmo squeeze da academia. E hoje elas se separam, de maneira tão dolorida para as duas, porque não sabem viver separadas. Elas simplesmente não aprenderam a viver separadas. Mas sempre entenderam que este dia chegaria.
A maior não virou índia, nem a menor ficou rica. Mas os sonhos continuam brotando, e a vida continua sendo escrita de tal forma que as linhas se embaralham. E mesmo quando as páginas começarem a se soltar, a história ainda será a mesma. Porque a mãe tem duas meninas dos olhos e assim é que tinha que ser. Uma não sabe viver sem a outra. E a que veio de sopetão foi o maior presente do mundo.

Te amo absurdamente irmã.

Sua doidaaaa…to chorando aqui incontrolavelmente no meu trabalho…a sorte é que ta todo mundo almoçando!
Meu…ficou incrível…e deu uma saudade absurda da nossa infãncia…dividindo o mesmo quarto…eu não aguentando mais ouvir Bon Jovi…meu primeiro porre…tuuudo!
Não temos pai, mas temos uma a outra…SEMPRE e em qualquer lugar…mesmo que seja a milhares de kms de distância!
Te amo absurdamente!!
Que lindooo! Estou de volta e com saudades do teu blog.
Você está voltando para a Inglaterra?
PS.: Eu também catava corruptos no Guarujá… depois vendia no morro do Maluf (sangue ídiche…risos).
Beijos