Eu tinha uns seis anos e minha vida era basicamente cuidar do mundo. E o mundo para mim era a horta do meu avô, as três árvores na frente de casa, meu tatu-bola de estimação, um abacateiro, uma boneca que exigia muitos cuidados, uma pitangueira, três pintinhos e a minha coleção de gibis. Fora isso eu tomava conta da minha cartilha e do desenho de cogumelo que eu plastifiquei com cola branca. Mas eu tomava conta era de muita coisa para uma pessoa tão pequena.
Eu queria ser grande e poder aumentar meu mundo, por isso pedi à minha mãe um cachorro. Mas ela não me deu até os dezessete anos. Eu jurava que era grande o bastante, que tinha responsabilidade e que poderia muito bem tomar conta de um cachorro, além de todo o mundo que eu já cuidava. Até que Deus me deu uma tarefa tão imensa que me provou o contrário.
Era um dia de céu azul ensolarado e gordas nuvenzinhas brancas e eu brincava no recreio da escola. Foi quando eu vi alguma coisa caindo do céu e peguei com a mão no ar. Meu Deus! aquilo não poderia estar acontecendo! era um pedaço do céu! Eu fiquei atordoada, era um pedaço de nuvem na minha mão! As outras crianças logo vieram me perguntar o que tinha caído do céu e eu rapidamente respondi com a minha petulância de menina que era nuvem, óbvio. Afinal era branco, fofo e parecia algodão. Olhamos para o céu e não havia nada, além de um azul ofuscante, algumas nuvens dissipadas, e aquele chumaço comigo. Mas todo mundo viu que aquele pedacinho de nuvem caiu daquele céu.
Aquele momento foi o meu primeiro contato real com a responsabilidade adulta, e para dizer a verdade, acho que foi o maior da minha vida. Agora eu seria guardiã da nuvem que caiu do céu, nomeada por todos os habitantes da Terra: as crianças da escola. E ela estava ali na minha mão, quase como um presente, reluzente em toda aquela brancura cândida e ingênua. Mas eu sabia que não era simples e suave como parecia. Sabia que aquilo era um desafio injusto de Deus para mim, uma tarefa árdua e pesada: tomar conta da única nuvem que caiu do céu.
Aquela sensação aterrorizante virou alegria para os meus coleguinhas. Eles diziam que eu tinha que guardar a nuvem, mas no fundo eu não queria. Já tinha coisas demais para tomar conta e um pedaço de nuvem passava dos limites aceitáveis da minha ingenuidade. Era fardo pesado demais e eu não era grande suficiente para carregá-lo. Deus só poderia estar zombando de mim, afinal ele sabia que eu era só uma criança. Se eu tivesse que tomar conta da nuvem, alguém sairia perdendo. Teria que abdicar do tatu-bola, dos gibis ou das três árvores. Teria que decidir pela nuvem ou pelo desenho plastificado. E esse pensamento me fez arrepiar por dentro. O que seria das coisas se eu parasse de olhar por elas? Quem tomaria conta do mundo?
A verdade é que eu não estava à altura de um mundo um pouco maior que o meu. A nuvem era muita coisa para mim, era artigo do mundo todo, o céu não era só meu. Eu estava inconformada. Além do mais, era tarefa de Deus cuidar das nuvens, e Deus era adulto demais para me jogar tamanha função, adultos não confiam certas tarefas às crianças. E com medo de dizer isso, mas com muito mais medo da responsabilidade de cuidar de um pedaço do céu eu disse para todo mundo que aquilo não era nuvem, nada. Aquilo era algodão de avião. E todo mundo acreditou, as crianças voltaram a brincar como se nada tivesse acontecido.
Mas eu sabia muito bem que aquilo não era algodão de avião. Também não queria jogar a única nuvem que caiu do céu em qualquer lugar. Acomodei-a ali bem quietinha ao pé de uma árvore e nunca mais olhei para trás, deixei o senso de responsabilidade ali. Eu odiava admitir, mas era muito pequena para ser guardiã de nuvem. E no fundo, eu preferia mesmo era continuar assim. Tinha um mundo já grande o bastante para cuidar.

Olá, acabei de conhecer seu blog, gostei muito do seu jeito de escrever, é divertido e tenho que me identificar com sua história porque vivo uma semelhante. Boa sorte, vou passar por aqui mais vezes. Beijo
rss… muito bom vir aqui!!!! beijo!!!!
Que texto mais fofo!
Então Mi, vamos para Austrália e Nova Zelândia no final do ano. Estou contando os minutos!
Ah, apresentei sim um desfile da Darling num programa de TV local…risos
Ainda bem que não foi um corpo que caiu do avião!
Nesse faz de conta que é a vida, as responsabilidades que nos oferecem nem sempre precisamos assumir. Não teve pesadelos à noite, teve?
Boa semana! Beijus
Tá vendo aê???
Tua mãe tinha razão ao te dar um cachorro só aos 16 anos!
Bjs.
Olha, entrar na net e vir aqui ler vc não tem preço…é bom demais da conta 🙂
Um bjão amiga