Conversa

Post longo. 

Oi Deus… será que posso te chamar assim? Já não sou mais menina pra dizer “Papai do céu”… Se bem que aos teus olhos talvez sejamos sempre meninos. Mas vou te chamar de Deus, simplesmente, nada de Senhor ou qualquer outra coisa. E nada de vós porque não me sinto mais tão distante.
Pois é Deus, essa talvez seja nossa primeira conversa depois de muito tempo.
Não sei como foi acontecer, nem quando, mas acho que briguei com você algumas vezes. Acho que foi quando meu avô morreu e eu não queria, apesar dos seus 89 anos. Como diria Clarice Lispector, que deve estar aí ao seu lado falando de seus devaneios: desculpem, mas se morre. E eu já entendi isso, Deus, entendi que essa é a única lei da vida e ponto.
Sabe, Deus, eu olho para trás e vejo todos os momentos onde eu achei que você não estaria. E exatamente nestes momentos foi onde você se fez mais presente. Não sei se preciso conversar com você todos os dias, mas estou me sentindo um tanto distante. E talvez queira me desculpar.
Antes de continuar, quero pedir perdão se eu adormecer. Mania essa que eu tenho desde menina!! Até no catecismo eu cantava uma música que dizia algo como “me desculpe se eu dormir enquanto estiver rezando”. Acho que vai ser assim pra sempre, vou acabar dormindo.  Então, me perdoe se isto acontecer.
Deus… quando eu era menina sentia sua presença infinita. Talvez discordasse um pouco das coisas, talvez não entendesse porque tinha tirado meu pai de mim tão cedo. Mas hoje só tenho lembranças boas, então sei que você esteve presente. Depois, com uns quinze anos, passei a ter contato com os anjos. Tudo na minha vida girava em função do meu anjo da guarda, a quem eu chamava de Sealiah. Até o dia em que sonhei com ele e descobri que se chamava Elliot, ou talvez tenha sido um desses meus momentos de loucura. Mas eu conseguia sentir a presença dos anjos, os sinais, o cheiro de rosas. Minha espiritualidade estava no auge da iluminação. Aí aconteceram tantas coisas, Deus, como bem deve saber, já que sabe de tudo.
A vida aqui embaixo é dura, sabe. A gente se esquece das coisas mais importantes porque passa a vida fazendo as menos importantes. Às vezes eu me sinto no meio de um grande formigueiro, com um milhão de formigas operárias andando de um lado para o outro, cumprindo tarefas que não têm sentido. Só que a gente passa reto um do outro, nem ao menos pára para encostar as anteninhas.
A gente aqui embaixo dá duro no trabalho pra ter o que comer em casa, e não cuida da família. Cuida do corpo, e não cuida do espírito. Sabe, Deus, ser adulto no século vinte e um não foi uma escolha boa pra se acreditar em você. Muito menos para conversar com você todo o tempo. Se eu tivesse nascido nos anos 30 eu passaria boa parte do meu tempo indo à igreja, conversando com você, acendendo velas, lendo salmos. Os salmos, eu só lembro deles quando preciso, e são tão mais bonitos que as orações. Desculpe-me Deus, mas estou sendo honesta, de nada me adiantaria mentir se consegue ler meu coração.
Não queria que fosse assim, sabe. Mas esta estória de morar dentro de cubos empilhados dentro de um retângulo, e viver em função de coisas que a gente nem ao menos sabe o que são, tiram a gente do caminho. E acho que foi por isso que acabei me afastando. Pode parecer clichê, mas deve ter sido por falta de tempo.
Me lembro de você quando estou na natureza, Deus, isso sim! Quando vejo o mar infinito e seu poder de não acabar nunca depois do horizonte. Quando sinto a energia do vento de uma tempestade, e abro os braços para recebê-la. Quando piso na grama e sinto o magnetismo do sol puxando a minha energia pela terra. Sim, já senti isso, Deus, e você sabe. Naquela vez que tomei chá de cogumelos. Foi real, eu tenho certeza, senti a força magnética do sol nascendo no horizonte. E foi incrível. Também penso em você quando vejo a lua, as flores, a perfeição exata e matemática da natureza, as estrelas brilhando no céu, num distante tão distante que dá até medo. Esse distante que eu tinha tanto medo de cair pra cima, lembra Deus? Eu achava que a qualquer minuto a gravidade acabaria e a gente cairia pra cima, pro céu… mas isso foi só depois que eu descobri que a gente morava em volta do mundo, e não dentro dele.
Às vezes penso em você quando penso em outras coisas também, como o nascimento, a morte, a metafísica, o amor. Ah, o amor só pode ser coisa de Deus. E todos os obstáculos que a gente tem que enfrentar para chegar ao amor são coisas de Deus, também.
Sabe Deus, na verdade, agora sinto que não estou mais tão distante de você. Se eu, ao menos, olhar para o céu todos os dias e me lembrar que ele não é humano, já estarei te louvando. Se eu prestar atenção em um canto de passarinhos, em uma borboleta voando, ou no cheiro da terra molhada, já estarei perto de você. Se eu tomar banho de mar e banho de chuva, essas águas serão mais bentas que as da igreja. Pra que água benta por padre, se posso ter a água que cai diretamente do céu?
Vou fazer assim então. Me comprometer a ficar mais perto da natureza, porque assim estarei mais perto de você. Vou comer mais verduras e legumes. Vou saborear mais frutas. Vou tocar a terra com as mãos, nem que seja a do vaso de azaléias, até ficar com as unhas sujas. E nem vou ligar. Vou tomar banho de chuva, deixar a neve derreter no meu rosto, sentar na grama molhada e sentir o magnetismo do sol – sem precisar de cogumelos. Vou olhar nos olhos do meu cachorro e ver o amor incondicional das criaturas. Vou contar nuvens de carneirinhos de novo, procurar arco-íris, observar o mundo que acontece dentro da grama. Vou ter mais ar, água e terra na minha vida.
Acho que cheguei à uma conclusão com a nossa conversa, Deus. E, finalmente, não adormeci até o final. Pra falar a verdade foi muito melhor conversar assim com você do que em palavras já feitas, sinto como se tivesse me escutado. Agora vou te ter mais presente, porque também preciso eu fazer a minha parte. Tudo nesta vida é mão dupla. Tudo o que vai tem que voltar. Assim é comigo e com você, assim é com a perfeição matemática das coisas, assim é com as criaturas. Ah, e minha conclusão Deus? É que este mundo está humano demais hoje em dia. E isso está é matando a gente por dentro.
Amém.

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