Revolta que volta o tempo

Hoje eu só queria deitar numa rede e ouvir o barulho do mar. Não quero pensar em nada, absolutamente nada, muito menos quero que me perguntem qualquer coisa.
Queria que o tempo voltasse e meus problemas se resumissem à prova de matemática, ao banho das 5 da tarde, à lição de casa. Ou até mesmo ao próximo encontro com aquele adolescente cheio de espinha que eu jurava ser lindo e por quem minhas pernas ficavam bambas.
Queria simplesmente fazer parte de uma rotina. Acordar quase que de noite, beber leite quentinho com Nescau, ir para a escola com a mamãe dirigindo, ler livros de história e geografia, ansiar pelo sinal. Queria esperar somente pela aula de educação física, ou melhor, pelo recreio!!! Pegar a minha lancheira, ver a surpresa que teria dentro, ah sim, e essa seria absolutamente a única surpresa do dia. E meu dia seria mais feliz se tivesse somente um Toddynho, ou sanduíche de bolacha de água e sal, que eu amava!
Queria me sujar sem frescura, brincar de esconde-esconde, ter aulas de ciência no laboratório!!! Fazer experiência!!! Aí, queria voltar à pé para casa à tarde, ou melhor, para a casa dos meus avós. Eu e minha irmã, à pé, sozinhas, sem medo de nada. Com toda a coragem do mundo para enfrentar qualquer monstro.
E então preferiria mil vezes deitar no sofá da sala com meu avô e assistir aos filmes de bang-bang. Ou colher pitangas no quintal, ou quem sabe até brincar de bola com a minha irmã. Melhor ainda, queria que fosse o dia da vovó fazer bolinhos de chuva e do vovô deixar a gente dar uma volta no quarteirão de bicicleta! Aí, de repente eu pararia na banca e compraria algumas figurinhas para os meus álbuns, com as moedas do meu cofrinho.
Queria que vovô nos levasse à natação ou aos treinos de vôlei. Aula de inglês e piano, hoje não. Disse que não quero pensar muito. E então, queria esperar unicamente pela hora em que minha mãe voltaria do trabalho. E essa seria a única espera, mas com a certeza de que aconteceria. E se eu estivesse na natação, teria ido para lá de roupão e touca, caminhando pela rua sem me preocupar com nada do que estivesse vestindo. E voltaria para a casa da vovó, que era bem pertinho.  Aí eu tomaria banho na banheira gelada com o sabonete Vinólia rosa, que a vovó gostava. E então esperaria a mamãe de pijamas, e voltaria assim mesmo para casa tarde da noite, lá pelas sete. E no meio do caminho, ela provavelmente daria um pulo na padaria e compraria pão fresquinho, de soltar fumacinha, e leite de saquinho, desses que precisa ferver e vigiar a leiteira no fogo. E se desse sorte, o leite não cairia no chão e não estouraria, e o pão chegaria intacto. Mas hoje não, hoje iríamos devorando todo o pão quentinho pelo caminho, a começar pelo miolo!
E então eu e minha irmã brincaríamos e brigaríamos até pegar no sono. E o maior dilema da minha vida seria decidir entre  Glub-Glub e Carrossel…. E não me façam perguntas, porque não quero que me perguntem nada, e muito menos quero ter que responder coisa alguma. Quero é deitar na minha cama e sonhar sonhos de criança, com monstros e fadas… e um mundo colorido, que se perde em algum ponto quando a gente cresce…

ab15277.jpg

3 comentários sobre “Revolta que volta o tempo

  1. nunugil disse:
    Avatar de Nurit Gil

    Mi,
    Estas memórias são suas, mas de certa forma coletivas.
    Me identifiquei com taaantas coisas que costumava fazer igual. Saudades mesmo. Daria tudo por 1 diazinho daqueles só, mais uma vez.

  2. Vivi disse:
    Avatar de Vivi

    PutZ!Tô chorando!

    Amiga, passou um filme na minha cabeça…Hj tô tão sensível e foi ler seu post e cai no choro…rsrsrsr

    Tá chovendo lá fora e “aqui” tá fazendo frio, como diz Lobão

    Obrigada por essa pérola de post, vc tem que escrever um livro amiga 🙂

    Bjokas

Deixe um comentário