Duas taças e um Shakespeare, por favor

Não há sentimento que eu sinta hoje que não possa ser traduzido por Shakespeare. E me inebria lembrar os ares de Stratford-upon-Avon ao caminhar pela velha casa da Henley Street, onde Shakespeare nasceu, com o chão torto e vidros embaçados. Cruzar o lindo jardim de tulipas e bluebells, atravessar a ponte sobre o rio Avon e, finalmente, sentar-me num dos bancos da Holy Trinity Church, imaginando quanta coisa aquela pequena igreja de pedra não havia testemunhado.
E eu digo que hoje só Shakespeare sente o que eu sinto, não que eu entenda muito do grande poeta, mas sim por ele entender muito de mim.

Soneto 116 

“De almas sinceras a união sincera
Nada há que impeça: amor não é amor
Se quando encontra obstáculos se altera,
Ou se vacila ao mínimo temor.
Amor é um marco eterno, dominante,
Que encara a tempestade com bravura;
É astro que norteia a vela errante,
Cujo valor se ignora, lá na altura.
Amor não teme o tempo, muito embora,
Seu alfange não poupe a mocidade;
Amor não se transforma de hora em hora,
Antes se afirma para a eternidade.
Se isso é falso, e que é falso alguém provou,
Eu não sou poeta, e ninguém nunca amou”

Sonnet 116

“Let me not to the marriage of true minds
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove:
O no! it is an ever-fixed mark
That looks on tempests and is never shaken;
It is the star to every wandering bark,
Whose worth’s unknown, although his height be taken.
Love’s not Time’s fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle’s compass come:
Love alters not with his brief hours and weeks,
But bears it out even to the edge of doom.
If this be error and upon me proved,
I never writ, nor no man ever loved.”

E me dou pleno direito de repetir quantas vezes quiser: amor não é amor, se quando encontra obstáculos se altera, ou se vacila ao mínimo temor. Porque disso eu sei mais do que ninguém. Porque por tantas vezes poderíamos ter alterado e vacilado, tantas – e tão fortes – que não contaríamos nas quatro mãos. Mas o nosso amor é maior que o mundo e continua intacto; é um marco eterno, dominante, que encara a tempestade com bravura. Absolutamente qualquer tempestade, com toda a bravura de dois corações jovens e plenos.

2 comentários sobre “Duas taças e um Shakespeare, por favor

Deixe um comentário