A gente não vê por aqui

Ando meio revoltada esses dias. Talvez seja só um pouco de TPM, ou talvez seja a minha parte rebelde querendo quebrar os grilhões da mediocridade, que nos fazem robôs que só dizem Amém. Estou farta de tanto preconceito e, pior, de tanta hipocrisia.
Assisto na Globo às suas auto-injeções de ego, exemplos de exemplos, morais de morais, contra bebida, cigarro, preconceito, etc, etc, etc. Quanta hipocrisia. Aqueles trechos de novela no meio do intervalo com a lição “se beber, não dirija”, e depois a emissora emenda com o peito estufado “RESPONSABILIDADE SOCIAL, a gente vê por aqui”.
Ontem ligo a TV à tarde e assisto um pouco de “Malhação”. Vejo então uma menina ser chamada pelos “colegas” de baleia, bolota, free-willy, gorda, quando a tal menina nada mais é do que um pouco mais cheinha para os parâmetros esquálidos da nossa sociedade. Pelo amor de Deus, a menina não é gorda!!!! Dêem uma olhada, ela é a da direita na foto:

 

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E como se não bastasse, escuto ontem mesmo, na novela das sete, o Malvino Salvador* falando para uma outra menina bem mais gordinha: “gorda desse jeito, como foi arrumar namorado?”. Como assim, por acaso ela é um ogro, faz parte de outra espécie? Porque ninguém diz “magra assim, como foi arrumar namorado”? Ou, “loira assim”, “alta assim”????
Que menino, hoje em dia, vai querer namorar uma gordinha se na própria televisão isso é considerado “errado”. Se os adolescentes já dão valor ao que os amigos pensam, imaginem quando isso é escancarado em rede nacional como impróprio.
Que diabos de exemplos de moral são esses que a Globo dá? Responsabilidade social. Preconceito então só é preconceito quando é racial? É muito bonito mostrar cena de novela com tolerância RACIAL e dizer “A gente vê por aqui”. Os outros tipos de preconceito nem são, ao menos, definidos como preconceito. Pior: são exarcebados, expostos como se fossem atitudes normais. Quanta hipocrisia!
Eu digo isso, indignada, porque sempre tive uns quilos acima do “normal” e sempre, a vida toda, sofri preconceito por isso. Principalmente quando eu era criança. Cansei de apanhar na escola, voltar com hematomas e ter que explicar para a minha mãe que as crianças me batiam porque me achavam gorda. Cansei de ser rejeitada  nas brincadeiras, ouvir piadinhas, escutar “mas você tem o rosto tão bonito”, como se o resto não significasse mais nada. O preconceito existe, está aí para todo mundo ver. Mas até aí, fazer apologia à isso é demais para a minha cabeça.
E não me venha dizer que os outros tipos de preconceito são piores, porque não são. A gordura está tão estampada para sofrer os pré-conceitos da sociedade quanto a cor da pele, a religião mostrada em vestimentas e os defeitos físicos.
Aonde essas pessoas querem chegar com essas frases absolutamente maldosas em suas novelas? Malhação não é uma novela supostamente para pré-adolescentes e adolescentes? As crianças são maldosas porque são sinceras, mas elas não nascem com o preconceito. Elas aprendem em casa, com os pais e com a televisão. Com os gibis e a Mônica, que nem era gorda. Qual é a graça em  menosprezar um gordinho e reduzí-lo, como se os magros fossem seres superiores? O que está acontecendo com a consciência humana, que às vezes parece regredir?
Eu simplesmente não entendo. Percebo que este preconceito absurdo contra a obesidade (e não estou falando sobre obesidade nos parâmetros médicos, mas nos parâmetros sociais) é muito mais incrustrado neste país do que em outros. Morando na Inglaterra, eu percebo um preconceito muito tímido, que não chega aos pés da maldade que existe no nosso país do biquini, no culto ao corpo em forma de Estado. No Brasil ser gordinho – e eu digo vestir a partir de 40 – é muito difícil. Principalmente para uma mulher.
Comprar roupas no Brasil é absolutamente ridículo. O que aconteceu com a indústria da modelagem de dez anos para hoje é um atentado. Se você colocar um jeans 42 de dez anos atrás em cima de um 46 de hoje, verá que eles têm o mesmo tamanho. O tamanho G não passa do que, um dia, foi um M larguinho. O GG agora é normal em qualquer loja, nem é mais artigo de lojas especiais, tamanho o seu encolhimento.  Qualquer mulher com um pouco mais de seio, barriga, bumbum ou coxa está jogada à marginalidade do mundo das grifes. Isso, para mim, já é uma tremenda discriminação.
Nunca me esqueço de uma mulher dizendo em uma entrevista que tinha “nojo de gente gorda”. Um alemão um dia também teve nojo de judeu. Sinto como se algum anoréxico fosse, a qualquer momento, enfiar todos os gordinhos numa câmara de gás e exterminar a “raça” inferior. Seleção “natural”… Como o atirador finlandês dessa semana que matou oito alunos e disse: “Eu, como selecionador natural, vou eliminar todos aqueles que julgar impróprios, desgraças da raça humana e falhas da seleção natural.” Que belos exemplos de próprios e impróprios que a televisão nos passa.
Se a gente quer falar de tolerância, de “coexistência”, que comece em todos os afluentes da palavra preconceito, não somente no religioso ou racial. A bem da verdade, a palavra “tolerância” por si só nem deveria caber aqui, pois só ela já é preconceituosa. Se alguém está sendo tolerante com outro, é porque de alguma forma não se sente igual ao outro e, sim, superior.
Toda a onda de “quilinhos a mais” virou uma monstruosa indústria de inibidores de apetite, cosméticos, clínicas de estética, grifes e shakes. Todos contra duas polegadas a mais!!! Mas como competir, se as meninas que vestem 38 estão fazendo endermologia para entrar no 36? De que adianta toda essa onda contra a anorexia, todos os apelos contra a bulimia, se continuam denegrindo em rede nacional qualquer pessoa com a coxa grossa?
É muito hipócrita fazer uma novela onde uma menina quase morre de anorexia – vejam bem: para alertar a população – e, alguns meses depois, transformar uma personagem, que nem barriga tem, na “baleia” da novela adolescente. E daqui a alguns meses, quem sabe, fazer documentários na Sexta-feira à noite mostrando os altos índices de bulimia em meninas magras; nossa, mas elas se acham gordas? Que grande hipocrisia. Perdemos totalmente os parâmetros e o bom-senso. Acho que nós, brasileiros, estamos é fartos de tantos exemplos negativos em novelas.

* Errata: o personagem era do ator Sidney Sampaio.

PS: Estou encaminhando esta crônica para a Globo.

12 comentários sobre “A gente não vê por aqui

  1. Flavia disse:
    Avatar de Flavia

    A menina da direita eh considerada gorda????? Eu tive que ficar olhando a foto por que nao tinha entendido direito que vc tinha falado de uma delas :-0

    Assino embaixo. Adorei o seu post!

    Bjs, Fla

  2. Babi disse:
    Avatar de Babi

    é Mi, se vc sempre teve alguns quilinhos a mais, eu sempre tive a menos. E mesmo ouvindo todo mundo falar que ser magro que é bonito, ver gente louca para emagrecer, eu SEMPRE ouvi gente dizendo: “vc é tao magra”. Até gente falar que eu estava com anorexia eu ouvi. Quem falou isso esta acima do peso… na hora fiquei com raiva. Pensei: Se eu soltar que acho que ela é obesa, ela vai gostar?
    Caramba, acho que tem coisas que devemos pensar e guardar pra gente. Nao tenho nada contra. Mas na hora da raiva tenho vontade de me vingar?! 😛
    Meu pai tem 65 anos é magro, minha mãe tem 58 e é magra. Eles sempre foram bem magros, As pessoas querem que eu seja como?

    Isso tb me irrita. A midia, todo mundo falando que é bonito ser magro. mas aparece uma magra e dizem que é anorexica?
    Se é assim eu quero saber o que é “ser magro” para eles.
    E ouvir minha voh dizer q eu sou fraquinha. Putz, fico muito doida.
    Sou magra sim, mas nao sou doente.

    Afe, desabafei…Rs

  3. Dinho disse:
    Avatar de Dinho

    Putz, sabe que eu vi o cara falar isso na novela ontem!! Achei um absurdo! Sou magro mas acho que ainda há muito mais preconceito contra os gordinhos do que contra os magrelos!
    Mto boa a crônica!
    Bjs

  4. Meire disse:
    Avatar de Meire

    Voce falou tudo amiga, pura hipocrisia.
    Tambem como voce ja’ sofri muito preconceito peincipalmente qdfo criança, e hoje sei q o que passei, o que ouvi, nao vinha das crianças e sim do que ouviam em casa.
    Depois quero saber a resposta da “poderosa”.
    bjs

  5. Fernanda Amante disse:
    Avatar de Fernanda Amante

    Mi, seu artigo é digno de ser publicado pela Globo como “direito de resposta”. Ontem quando ouvi o comentário na novela das oito, fiquei revoltada! Mas fiquei mais revoltada com a moça se defendendo ao dizer “ah, mas eu to fazendo regime!”, como que pedindo desculpas por ser acima do peso!!! Ou seja, você é “tolerada” por ser gordinha desde que esteja no rígido e permanente regime!!!
    Você me conhece e sabe o quanto eu briguei com a balança a vida toda e sempre me senti deprimida na hora de comprar uma roupa.
    Mi, obrigada, sua declaração é uma libertação!!! Já fui considerada até menos competente profissionalmente só por ser gorda!!
    Sabia que já existe um movimento sobre o preconceito contra gordos?! Acho que é nos EUA. Manifestações como a sua deveriam começar a se multiplicar. Chega de preconceito!!
    A gente tem vergonha de ser gordo, como um dia os negros já tiveram vergonha de ser negros, pois eram “menos gente” do que os brancos. O absurdo é o MESMO!!!
    Obrigada, Mi. De coração!!
    Beijão

  6. Sara disse:
    Avatar de Sara

    Tô contigo e não abro! Mas, pior do que a hipocrisia da Globo é a ignorância das massas que rezam pela cartilha dessa rede de tv. Graças a toda essa nação a Globo conseguiu se promover, de canal de entretenimento à formadora de opinião e ditadora comportamental. É um quarto poder por assim dizer. E pode fazer a matemática, os papéis designados às gordinhas (?) são sempre os mais banais ou os humorísticos, onde a piada central é a própria gorda (?)!
    Não sei se a Globo vai te publicar, mas eu já tô linkando sua crônica e levantando a bandeira!!

  7. mogalante disse:
    Avatar de mogalante

    Oi Milena, acompanho suas palavras desde o popcorn bag!

    Sempre adorei seus textos!

    Parabéns!

    Estou linkando o seu endereço no meu blog tb!

    um super beijo e estarei publicando este texto na íntegra.

    Um super beijo!

  8. Prisca disse:
    Avatar de Prisca

    Eh, realmente a televisão é uma merda mesmo. Eles querem botar na cabeça das pessoas o que eles acham, na hora que acham e do jeito que acham. Ainda bem que tem pessoas com discernimento, com personalidade, que não se deixam levar, mas infelizmente nem todo mundo é assim. Uma grande parte das pessoas é muito influenciada pela tv, e é esse o perigo dessas besteiras todas.
    Eu jah fui magra demais, e também, coisa de pouco tempo atras, estive com algumas gordurinhas localizadas, mas acho que, tanto em um caso como no outro, me sentia mal não por causa do que os outros diziam, mas porque estava fora do que eu queria pra mim. Quando era magra demais, não tinha bunda, minhas coxas eram dois palitinhos de sorvete, mas meus braços não balançavam quando eu tava tchau. Hoje, estou feliz da vida com meu derrière, mas meus braços ficaram um pouco moles (e da-lhe academia pra tentar deixar isso tudo durinho).
    Enfim, queria dizer que jah estive dos dois lados (mesmo se nunca fui realmente gorda), e acho que o que a gente tem que tentar é achar um equilibrio, mas sempre pensar em primeiro lugar no que A GENTE quer, e não no que os outros acham bonito. Claro que não é facil, sendo julgada pelo olhar dos outros o tempo todo, mas essa ditadura de magreza é ridicula, com um pouco de bom senso chegamos à conclusão de que não tem nada a ver. Essas modelos esqueléticas deveriam fazer publicidade para funeraria, e não pra moda.
    Beijão, mulher!!

  9. Rah disse:
    Avatar de João Maciel

    É, isso é bem verdade. E machuca. Eu sempre fui a sequinha da sala até ter de tomar um remédio aos 11 (época que vc já engorda naturalmente) cujo efeito era justo esse, engordar!
    E os meninos que antes riam de mim por ser magra demais começaram a rir por eu estar um pouco acima do peso. Sempre o efeito sanfona, e nunca parece suficiente. Mesmo agora que penso estar bem para minha altura sempre tem aquela ‘amiiiga’ pra dizer que está sobrando bordinha, ainda que seja só inchaço de tpm.
    Parece que até que a gente chegue no corpo de mulher-propaganda-de-sabonete-palmolive ou das de comercial de cerveja, nossos pobres corpinhos vão ter de passar por mais algumas semanas de cremes e exercicios até chegar àquele padrão tão reclamado. Caso contrário não teremos sossego da parte de quem nos observa.
    – já fiquei bem abaixo do peso entre os 13 e 15, com suspeita de anorexia e depressao… isso que sempre critiquei as modelos loucas que se diziam gordas e estavam quase morrendo secas.
    nunca acreditei muito no diagnostico do médico, dei uma rasteira na depre e passei a cuidar mais da alimentação, sozinha mesmo. n é pra parecer depoimento “oh, minha vida mudou”, tanto que nao precisa aceitar esse comentario. mas realmente esse padrão de beleza é complicado para adolescentes que ainda estão em fase de crescimento. a autoestima nessa fase é algo muito delicado.

  10. Daniela disse:
    Avatar de Daniela

    Mesmo escrito em 2007, continua tão atual seu texto. Eu não assisto novelas e dessa parte não posso palpitar, o que sei é que existe uma indústria que só vende a mulheres (im) perfeitas que tem que entrar num jeans 36 ou 38 no máximo, que tem que se escravizar para não ter celulite, estrias, e vale até pagar parcelada uma cirurgia plástica, da qual muitas são feitas com médicos que sequer cursaram medicina, e o fim disso estampa uma manchete de jornal, às vezes com óbito e tudo mais.
    Mesmo só faltando o TCC para colocar minhas mãos no diploma de nutricionista, tenho lembranças e saudade da cidadezinha que morei quando criança, onde ser mais farta era sinal de saúde, e sei que hoje é impossível não ter celulites, estrias, porque o corpo se modifica, porque temos acesso a um monte de comidas industrializadas, doces, pizzas e lanches e isso não é pecado.
    Claro que devemos nos cuidar, preferir alimentos mais saudáveis, combater sim a obesidade, mas que fique claro que ter seios grandes, coxas dignas de um ‘poxa, que coxa’, não deve ser considerando uma aberração, porque não vou negar que me sinto mal quando uma marca de jeans não fecha, ou sequer tem numeração para meu tamanho coxas grossas, quadril largo, e gostosa na visão do meu namorado… E não, não sou uma aberração, ou uma mulher imperfeita, assim como também não sou perfeita. Sou a favor de sermos seres únicos, cada um com seus atributos, e sermos mais respeitadas, porque o que conta é o que eu sou não o tamanho do meu jeans. Seria bem mais agradável, se os órgãos responsáveis tomassem as medidas cabíveis, para vetar a venda enganosa dessa beleza (IR) real, mas aí já é outra história, porque afinal de contas essa indústria movimenta tanto dinheiro, do qual eu sequer terei ideia, ou no total disponível no meu saldo bancário.
    Parabéns pelo texto, você arrasa sempre!!!

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