Desfecho da dança das nuvens

(Há muito, muito tempo não via nuvens de carneirinhos, espalhados lá no pasto azul).

E para desfecho da dança das nuvens, posso dizer com certeza que ontem elas dançaram twist, porque suaram demais, mas por bem pouco tempo. As saias sim, estas se agitaram tanto que arrancaram telhas e árvores da terra.
Pelo que me parece, marcaram outro baile para hoje, mas ainda não descobri o que vão dançar: se será mansinho e infinito como xote, ou breve e barulhento como samba.
E no que diz respeito à espera, não foi molhada, mas foi triste e longa numa eternidade que dura até hoje, e durará até amanhã. E até pode ser que a de hoje, ou até mesmo a de amanhã, ou quem sabe as duas, sejam molhadas.

So long, and thanks for all the fish

Gostaria de usar só um pedacinho deste blog, mas que talvez seja o de maior grandeza, para agradecer à todos os meus “leitores” – que assim humildemente os chamo, já que não tenho pretensão de escritora. E parafraseando Clarice, mais uma vez: “sem fazer estardalhaço da minha humildade que já não seria humilde”.
Sinto no mais sublime alto da minha alma que existe alguma coisa, um dom ou sabe-se lá o que, um espírito que baixa, ou qualquer coisa do gênero que faça meus dedos digitarem infinitamente mais rápidos que meus próprios pensamentos. A vida me chamou de alguém que tem talento para escrever e é por isso que voltei, e que continuo. Por rever a vida.
E também por tantas palavras carinhosas nos comentários e em emails, palavras estas que dão força para o que existe, lá no mais sublime alto….
Obrigada, de coração.
Sobre o livro, estou pensando nisso, ainda preciso de um tema. Não sei se compilo contos ou se desenrolo algum em estória sem fim. Aceito sugestões.

Palavras, por outro alguém

Lembram-se do que eu disse em “Palavras“? Pois bem, alguém mais concorda comigo…

 ” É claro que, como todo escritor, tenho a tentação de usar termos suculentos; conheço adjetivos enplendorosos, carnudos substantivos e verbos tão esguios que atravessam agudos o ar em vias de ação, já que palavra é ação…”

Clarice Lispector em “A Hora da Estrela“, 1977.

Se joga na roda

Acabei de voltar da minha primeira aula de capoeira. Uma hora e meia me rendeu:

– Um momento “patricinha passa mal” – fiquei enjoada e quase vomitei na aula,
– Um chute na cara (porque o Mestre achou meeeesmo que já dava pra me jogar na roda),
– Calos nos pés que,  pelo jeito, serão vitalícios,
– Descoberta de fibras musculares da minha bunda que, em 27 anos, nunca tinham se manifestado.

Se eu vou voltar amanhã? Claaaaro, se eu conseguir andar.

A dança das nuvens

Parece-me que o baile já vai começar. As nuvens dançam pelo céu, adentrando o salão. Vestem seus pretinhos básicos e corpulentos, negros e elegantes. Se cumprimentam, uma a uma, com elétricos beijos nos rostos. Algumas riem alto e estridente num som quase assustador. Outras levam leques ou mexem as saias de modo a abanar todas as nações. Elas se unem de maneira que nem dá mais para distinguir suas próprias individualidades. Só se vê o fim de outra e o começo de uma entre o beijo elétrico.
Por enquanto não chegaram todas as convidadas, mas as luzes já estão diminuindo no salão. E quando todas se cumprimentarem e dançarem bastante, suarão suor de nuvem, com confetes e serpentinas. Embora muitas vezes elas se reúnam só por se reunir. Não se esbaldam de dançar no salão e acabam por nem suar… Mas esta dança de hoje promete ser um grande baile.
E a única coisa que sei, visto que não sou nuvem e nunca fui convidada para o baile, é que quando elas se esbaldam e suam, qualquer espera fica ainda mais angustiante e molhada.

Reedição

Post “A gente não vê por aqui” (aí embaixo) reeditado.
Leiam e manifestem-se.
Já encaminhei para a Globo mas ainda não obtive resposta.

O refrigerante

… o registro que em breve vai ter que começar é escrito sob o patrocínio do refrigerante mais popular do mundo e que nem por isso me paga nada, refrigerante este espalhado por todos os países. Aliás foi ele quem patrocinou o último terremoto em Guatemala. Apesar de ter gosto de cheiro de esmalte de unhas, de sabão Aristolino e plástico mastigado. Tudo isso não impede que todos o amem com servilidade e subserviência. Também porque – e vou dizer agora uma coisa difícil que só eu entendo -porque essa bebida que tem coca é hoje. Ela é um meio da pessoa atualizar-se e pisar na hora presente.”

Clarice Lispector em A hora da estrela, escrito em 1977.

 

 

A gente não vê por aqui

Ando meio revoltada esses dias. Talvez seja só um pouco de TPM, ou talvez seja a minha parte rebelde querendo quebrar os grilhões da mediocridade, que nos fazem robôs que só dizem Amém. Estou farta de tanto preconceito e, pior, de tanta hipocrisia.
Assisto na Globo às suas auto-injeções de ego, exemplos de exemplos, morais de morais, contra bebida, cigarro, preconceito, etc, etc, etc. Quanta hipocrisia. Aqueles trechos de novela no meio do intervalo com a lição “se beber, não dirija”, e depois a emissora emenda com o peito estufado “RESPONSABILIDADE SOCIAL, a gente vê por aqui”.
Ontem ligo a TV à tarde e assisto um pouco de “Malhação”. Vejo então uma menina ser chamada pelos “colegas” de baleia, bolota, free-willy, gorda, quando a tal menina nada mais é do que um pouco mais cheinha para os parâmetros esquálidos da nossa sociedade. Pelo amor de Deus, a menina não é gorda!!!! Dêem uma olhada, ela é a da direita na foto:

 

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E como se não bastasse, escuto ontem mesmo, na novela das sete, o Malvino Salvador* falando para uma outra menina bem mais gordinha: “gorda desse jeito, como foi arrumar namorado?”. Como assim, por acaso ela é um ogro, faz parte de outra espécie? Porque ninguém diz “magra assim, como foi arrumar namorado”? Ou, “loira assim”, “alta assim”????
Que menino, hoje em dia, vai querer namorar uma gordinha se na própria televisão isso é considerado “errado”. Se os adolescentes já dão valor ao que os amigos pensam, imaginem quando isso é escancarado em rede nacional como impróprio.
Que diabos de exemplos de moral são esses que a Globo dá? Responsabilidade social. Preconceito então só é preconceito quando é racial? É muito bonito mostrar cena de novela com tolerância RACIAL e dizer “A gente vê por aqui”. Os outros tipos de preconceito nem são, ao menos, definidos como preconceito. Pior: são exarcebados, expostos como se fossem atitudes normais. Quanta hipocrisia!
Eu digo isso, indignada, porque sempre tive uns quilos acima do “normal” e sempre, a vida toda, sofri preconceito por isso. Principalmente quando eu era criança. Cansei de apanhar na escola, voltar com hematomas e ter que explicar para a minha mãe que as crianças me batiam porque me achavam gorda. Cansei de ser rejeitada  nas brincadeiras, ouvir piadinhas, escutar “mas você tem o rosto tão bonito”, como se o resto não significasse mais nada. O preconceito existe, está aí para todo mundo ver. Mas até aí, fazer apologia à isso é demais para a minha cabeça.
E não me venha dizer que os outros tipos de preconceito são piores, porque não são. A gordura está tão estampada para sofrer os pré-conceitos da sociedade quanto a cor da pele, a religião mostrada em vestimentas e os defeitos físicos.
Aonde essas pessoas querem chegar com essas frases absolutamente maldosas em suas novelas? Malhação não é uma novela supostamente para pré-adolescentes e adolescentes? As crianças são maldosas porque são sinceras, mas elas não nascem com o preconceito. Elas aprendem em casa, com os pais e com a televisão. Com os gibis e a Mônica, que nem era gorda. Qual é a graça em  menosprezar um gordinho e reduzí-lo, como se os magros fossem seres superiores? O que está acontecendo com a consciência humana, que às vezes parece regredir?
Eu simplesmente não entendo. Percebo que este preconceito absurdo contra a obesidade (e não estou falando sobre obesidade nos parâmetros médicos, mas nos parâmetros sociais) é muito mais incrustrado neste país do que em outros. Morando na Inglaterra, eu percebo um preconceito muito tímido, que não chega aos pés da maldade que existe no nosso país do biquini, no culto ao corpo em forma de Estado. No Brasil ser gordinho – e eu digo vestir a partir de 40 – é muito difícil. Principalmente para uma mulher.
Comprar roupas no Brasil é absolutamente ridículo. O que aconteceu com a indústria da modelagem de dez anos para hoje é um atentado. Se você colocar um jeans 42 de dez anos atrás em cima de um 46 de hoje, verá que eles têm o mesmo tamanho. O tamanho G não passa do que, um dia, foi um M larguinho. O GG agora é normal em qualquer loja, nem é mais artigo de lojas especiais, tamanho o seu encolhimento.  Qualquer mulher com um pouco mais de seio, barriga, bumbum ou coxa está jogada à marginalidade do mundo das grifes. Isso, para mim, já é uma tremenda discriminação.
Nunca me esqueço de uma mulher dizendo em uma entrevista que tinha “nojo de gente gorda”. Um alemão um dia também teve nojo de judeu. Sinto como se algum anoréxico fosse, a qualquer momento, enfiar todos os gordinhos numa câmara de gás e exterminar a “raça” inferior. Seleção “natural”… Como o atirador finlandês dessa semana que matou oito alunos e disse: “Eu, como selecionador natural, vou eliminar todos aqueles que julgar impróprios, desgraças da raça humana e falhas da seleção natural.” Que belos exemplos de próprios e impróprios que a televisão nos passa.
Se a gente quer falar de tolerância, de “coexistência”, que comece em todos os afluentes da palavra preconceito, não somente no religioso ou racial. A bem da verdade, a palavra “tolerância” por si só nem deveria caber aqui, pois só ela já é preconceituosa. Se alguém está sendo tolerante com outro, é porque de alguma forma não se sente igual ao outro e, sim, superior.
Toda a onda de “quilinhos a mais” virou uma monstruosa indústria de inibidores de apetite, cosméticos, clínicas de estética, grifes e shakes. Todos contra duas polegadas a mais!!! Mas como competir, se as meninas que vestem 38 estão fazendo endermologia para entrar no 36? De que adianta toda essa onda contra a anorexia, todos os apelos contra a bulimia, se continuam denegrindo em rede nacional qualquer pessoa com a coxa grossa?
É muito hipócrita fazer uma novela onde uma menina quase morre de anorexia – vejam bem: para alertar a população – e, alguns meses depois, transformar uma personagem, que nem barriga tem, na “baleia” da novela adolescente. E daqui a alguns meses, quem sabe, fazer documentários na Sexta-feira à noite mostrando os altos índices de bulimia em meninas magras; nossa, mas elas se acham gordas? Que grande hipocrisia. Perdemos totalmente os parâmetros e o bom-senso. Acho que nós, brasileiros, estamos é fartos de tantos exemplos negativos em novelas.

* Errata: o personagem era do ator Sidney Sampaio.

PS: Estou encaminhando esta crônica para a Globo.