
Era uma cidadezinha dessas bem pequenas, que se resumem à rua principal e ao coreto da praça. Tinha ruas de paralelepípedos e casinhas brancas, cada qual com o beiral da janela de cor diferente. Tinha também uma capela que nem poderia ser chamada de igreja, pois não tinha tamanho para isso. E, claro, havia o sino da torre da capela.
Santa Rita do Riacho Longe era assim, longe do riacho. E a capela, claro, era Paróquia de Santa Rita. Atrevo-me a dizer que lá em Santa Rita tinha mais devotos da Santa do que em qualquer outro lugar do mundo. Toda casinha branca tinha um oratório onde a imagem central era dela.
A cidadezinha parecia outra qualquer, perdida na imensidão do Brasil. Ficava perto de São José do Rio Pequeno, onde o rio era pouquinho, e de São Sebastião do Rio Manso, onde o rio, claro, era calmo. calmo. Além disso, fazia divisa com Nossa Senhora do Riacho Pardo e Santa Terezinha do Ribeirão. E como qualquer outra cidadezinha, Santa Rita tinha a rua 7 de Setembro, a avenida Brasil (que nunca chegou a ser avenida, tão pequena era a cidade), e a praça da República, que era na rua 15 de Novembro – onde tinha o coreto.
As pessoinhas de Santa Rita pareciam-me todas iguais, de cabelinhos brancos e sorrisos vastos. Eram na maioria velhinhos que seguiam uma rotina extremamente entediante para uma pessoa da cidade grande, como eu.
O sino da igrejinha tocava todos os dias às 7 horas. E toda a Santa Rita do Riacho Longe assistia à missa, desde os de cabelinhos brancos, até os meninos que iam para a escola. E a escola, Doutor João Marino, era a única por lá.
Depois da missa, era sempre a mesma coisa. Seu Teobaldo e Seu Felício colocavam cadeiras na porta de suas casas para jogarem conversa fora. Dona Mariazinha, Dona Maria e Dona Maricota ficavam na igreja para rezar o terço. Dona Amélia, Dona Margarida e Dona Rutinha iam para a casa de Dona Filipina para fofocarem e comerem bolo de mandioca. Seu Romão, Seu Totonho e Seu Rubaldo sentavam na praça para jogar dominó. Seu Domingos, Seu Damião, Seu Zézinho e Seu Tonico se juntavam no coreto para tocar chorinho. E Dona Marta, Dona Carmela e as quatro irmãs que nunca se casaram – Lurdes, Ludimila, Luana e Luísa – assistiam ao chorinho e arranhavam a cantoria.
O resto fazia as coisas de sempre. A venda do Mathias abria e os cachorrinhos entravam, a quitanda do Seu Manoel exalava cheirinho de goiaba, o boteco do Seu Abreu já servia pinga pro Teodorinho, a floricultura da Carmem enfeitava a cidade, o padre Joaquim se retirava para um cochilo, Seu Moisés brigava com Dona Flora por causa do café fraco e Seu Terence visitava Dona Clotildinha que, na verdade, queria ser visitada por Seu Almeida, o farmacêutico.
Os meninos iam para a escola João Marino e passavam a tarde na praça fazendo lição de casa ou brincando de bola e bicicleta. Sonhavam um dia em sair de Santa Rita. Alguns até saíam, faziam universidade em São Sebastião do Rio Manso ou em São José do Rio Pequeno. Arthur, neto de Dona Filipina, foi o único na cidade toda que tomou coragem e se mudou para São Paulo, bem longe de lá. Falava-se com orgulho dele há muitos anos: “Foi pra São Paulo”. O resto acabava ficando pelas redondezas, com medo das cidades grandes. Mas o mais impressionante é que, cedo ou tarde, eles sempre voltavam.
E por isso que Santa Rita tinha tantos velhinhos e quase nenhum jovem. Porque eles iam embora ainda verdes e voltavam maduros. E eles diziam por lá que era por causa do riacho… Diziam que Santa Rita do Riacho Longe era tão longe do riacho, que os meninos saíam pra procurá-lo e só voltavam de cabelinhos brancos.
* Todas as cidades são fictícias… eu acho!


