Ela acordou no meio da noite. Olhou para o lado e seu marido continuava na mesma posição. Ela queria continuar aquele sonho mas ao mesmo tempo se punia. Se sentia suja e infiel. Que diabos estava acontecendo com ela, afinal?
Na verdade ela sabia muito bem que toda aquela inquietação tinha nome. Só não sabia o nome ao certo… Há algumas semanas ela frequentava a nova livraria, a duas ruas da sua, ao lado da padaria. Ela era louca por livros, conseguia ler um de trezentas páginas por semana.
Quando a livraria abriu ela foi a vizinha mais feliz do mundo. Há tempos queria um lugar para espairar e encontrar novos mundos assim, de uma hora pra outra, quando desse na telha. Até que ela resolveu ir lá. E tinha alguma coisa no dono daquela livraria que mexia muito com ela.
Tudo bem, ele era absolutamente lindo e cem entre cem mulheres jamais ousariam discordar. Ele era loiro (apesar de loiros nunca terem feito parte de seus fetiches), tinha por volta de 1,90m, olhos imaculadamente verdes, corpo atlético. Mas não era daqueles loiros sem sal, não. Tinha um quê de charme que rondava entre Brad Pitt e Matthew Mcconaughey. E ele olhava pra ela de um jeito… Ela achava que era diferente mas se convencia de que ele olhava todas as outras da mesma forma. Afinal, ela não era nenhuma Angelina Jolie e, de longe faria o tipo dele.
Ela estava casada há três anos com o seu primeiro namorado. Somando tudo, iam-se quase dez anos de convivência. Ela começou a namorar aos 18 e ele tinha sido seu primeiro homem também. Não conhecia nenhum outro, porque nunca tinha traído. Já tinha beijado muitas bocas antes dele, mas para a cama, só havia ido para a dele. E o sexo era muito bom, mas não tinha como comparar. Dizia não ter parâmetro.
Antes de se casar ela se perguntou muito se não deveria ter traído seu namorado pelo menos uma vez. Assim não passaria o resto da vida fantasiando e imaginando como seriam outros homens. Nunca teve coragem…. não queria trair, assim como não queria ser traída,
Mas o cara da livraria fazia subir um calor diferente pelo seu corpo toda vez que ele lhe dirigia a palavra. Eles já tinham conversado um pouco, ele até sabia seu nome. Um dia ela até achou que tivesse escutado uma insinuação dele. Ele tinha dito que ela “valia a pena”. Pelo menos, foi isso que ela entendeu enquanto escondia a aliança por baixo da mão direita.
Agora ela tirava a aliança toda vez que ia à livraria, e se sentia a pior de todas as mulheres por fazer isso. Mas de certo modo, não queria que o cara soubesse que ela era casada e, de repente, parasse de investir. Se é que ele realmente investia.
Todas as mulheres do bairro se atiravam em cima dele quando iam até lá. Até as que ela jurava que nunca tinham pego um livro na mão depois da época de vestibular. Elas usavam vestidinhos curtos, perfume, maquiagem. E ela sempre de jeans, camiseta baby look e tênis. Não sabia se arrumar, embora tivesse arriscado um rímel e perfume algumas vezes.
Quando voltava pra casa, porém, e encontrava seu marido sentia como se dentro dela existisse uma versão própria em miniatura morrendo afogada aos poucos dentro do seu próprio desejo. E clamando para ser salva. O amava muito. Demais até. Mas não conseguia mais controlar o que estava sentindo pelo cara da livraria… era mais forte do que ela.
Então ela vivia assim, pecando e se punindo por nem ao menos ter pecado. Imaginando todos os dias o dia em que o cara da livraria fosse chamá-la para tomar um café, subir numa sala vazia, ou simplesmente pegá-la pelos braços no meio da conversa e beijá-la. Mas ela nunca daria o primeiro passo, a não ser tirar a aliança.
Tinha sonhos eróticos com ele, vivia com ele em pensamento e se martirizava todas as vezes em que seu marido dizia que a amava. Como poderia amar mulher tão inescrupulosa? E como ela poderia amar dois homens ao mesmo tempo? Parece que agora sabia definitivamente a diferença entre paixão e amor.
E à noite, na cama, seus pensamentos flutuavam sobre a realidade do marido e o mundinho a duas ruas da sua. Sobre o corpo conhecido e o inexplorável. Às vezes a única coisa que queria era que a livraria falisse e sumisse daquele bairro. Ou que seu marido comprasse um apartamento na zona norte e se mudassem de lá para sempre.
E então dormia de conchinha com seu marido. E adormecia todas as noites pensando que dormir de conchinha com o homem que iria dividir a vida com ela era simplesmente a melhor coisa do dia. E todos os seus tormentos desapareciam naquela hora e não faziam mais o menor sentido… Até que acordasse novamente no meio da noite.